por Simone Zanotello de Oliveira
Não é
incomum ouvirmos na Administração Pública ocorrências de realização de
fornecimentos e serviços que não contaram com cobertura contratual, pelas mais
diversas razões: vencimento do contrato anterior, não processamento da
prorrogação contratual, não conclusão de licitação em andamento em tempo hábil,
impossibilidade de descontinuar as atividades, dentre outras justificativas. No
entanto, é fato que essa prática, seja ela de boa ou má-fé, constitui uma
irregularidade.
De
acordo com o parágrafo único do art. 60, da Lei 8.666/93, a assunção de
obrigação sem cobertura contratual é prática vedada: “É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo
o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor
não superior a 5% (cinco por cento) do limite estabelecido no art. 23, inciso
II, alínea "a" desta Lei, feitas em regime de adiantamento”.
A
corroborar a ideia de irregularidade dessa prática, ainda temos o art. 60 da
Lei 4.320/64 (Lei do Orçamento), que dispõe que é
vedada a realização de despesa sem prévio empenho.
Por
outro giro, o art. 59, “caput”, da Lei 8.666/93 estabelece os efeitos de um
contrato nulo, no sentido de que a sua declaração opera retroativamente,
impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além
de desconstituir os já produzidos. Além disso, o parágrafo único dispõe que “a nulidade não exonera a Administração do
dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em
que a nulidade for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados,
contanto que não lhe seja imputável (...)”.
Sendo
assim, há um claro reconhecimento acerca do dever da Administração em indenizar
o contratado pelos serviços realizados, sob pena de configurar um enriquecimento
ilícito por parte do ente público, sem desconsiderar a premissa de que se o
contratado realizou a atividade, constitui-se num direito seu a remuneração por
ela.
No
entanto, há que se destacar que não basta à Administração apenas indenizar. É
preciso, também, que ela promova a responsabilidade a quem deu causa a essa
ocorrência. Esse é o comando contido no final do parágrafo único do art. 59
citado.
Essa
temática já foi objeto de análise pelo Tribunal de Contas da União, por meio do
Acórdão 375/1999 – Segunda Câmara, que em processo de fiscalização verificou
irregularidades em razão da realização reiterada de despesas sem cobertura
contratual, sendo que as justificativas apresentadas não elidiram as
irregularidades, resultando em multa ao gestor.
Inclusive,
esse Acórdão serviu de fundamentação para a edição, pela Advocacia Geral da
União, da Orientação Normativa n. 4, de 1º. de abril de 2009, nos seguintes
termos: “A despesa sem cobertura
contratual deverá ser objeto de reconhecimento da obrigação de indenizar nos
termos do art. 59, parágrafo único, da Lei n. 8.666, de 1993, sem prejuízo da
apuração da responsabilidade de quem lhe der causa.”
A
apuração de responsabilidade encontra amparo no art. 82 da Lei 8.666/93, que
estabelece que os agentes administrativos que praticarem atos em desacordo com
os preceitos da Lei de Licitações ou visando a frustrar os objetivos da licitação,
sujeitam-se às sanções previstas na referida Lei e nos regulamentos próprios,
sem prejuízo das responsabilidades civil e criminal que seu ato ensejar.
Portanto, em
suma, quando ocorrer a necessidade de indenização por conta da realização de
despesa sem cobertura contratual, por ser um medida de caráter excepcional,
deverá ser apurada a responsabilidade de quem lhe deu causa – essa ação
constitui-se numa obrigatoriedade, e não numa faculdade.