terça-feira, 27 de setembro de 2016

PARTICULARIDADES DO CONVÊNIO

     por Simone Zanotello de Oliveira

     De acordo com o Decreto Federal n. 6.170/2007 (e suas respectivas alterações), que dispõe sobre as normas relativas às transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de repasse, o convênio é conceituado como um acordo, ajuste ou qualquer outro instrumento que discipline a transferência de recursos financeiros de dotações consignadas nos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União e tenha como partícipe, de um lado, órgão ou entidade da administração pública federal, direta ou indireta, e, de outro lado, órgão ou entidade da administração pública estadual, distrital ou municipal, direta ou indireta, ou ainda, entidades privadas sem fins lucrativos, visando à execução de programa de governo, envolvendo a realização de projeto, atividade, serviço, aquisição de bens ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação. Os convênios ocorrem não somente em nível federal, mas também estadual, distrital e municipal.

     Portanto, representam acordos firmados por entidades públicas de qualquer espécie, ou entre estas e organizações particulares sem fins lucrativos, com o intuito de realizar objetivos de interesse comum dos partícipes, para atingir finalidade pública.

     Com eles, tem-se a possibilidade de se efetivar uma gestão compartilhada nas áreas de saúde, educação, assistência social, cultura, dentre outras.  Nesse caso, os partícipes devem possuir competências institucionais comuns, bem como propiciar a mútua colaboração. Difere do contrato administrativo propriamente dito, pois nele as partes se compõem para atender a interesses contrapostos.

    Essa colaboração pode se dar com repasse de verbas, com uso de equipamentos, com recursos humanos e materiais, com imóveis, dentre outras formas. 

    A celebração de convênio independe de prévia licitação, em razão de não haver o pressuposto da competição. No entanto, exige um processo administrativo prévio de seleção, normalmente materializado pelo chamamento público. Necessita de autorização legislativa na maioria dos casos, notadamente quando envolver a transferência de recursos financeiros.

     Para receber a verba, a entidade deverá apresentar plano de trabalho e outros documentos exigidos pela legislação. É dever daquele que recebe o convênio demonstrar que o montante está sendo utilizado em consonância com os objetivos estipulados. Diante disso, o executor do convênio é considerado pela doutrina como alguém que administra dinheiro público e, como tal, está obrigado a prestar contas ao ente que faz o repasse e ao Tribunal de Contas. O Poder Público deve manter o controle e a fiscalização das atividades atinentes aos convênios. 

      Por outro viés, independentemente dessas exigências, em algumas situações tem-se verificado o mau uso do instituto do convênio, quando na realidade o objeto levaria à celebração de um contrato administrativo, que poderia resultar em valores mais atrativos, fruto de processo licitatório, com a devida competição.  Há também o uso do convênio como uma forma de legalizar o repasse de recursos financeiros para terceiros, sem a realização de procedimento licitatório, o que também traz prejuízos aos cofres. E, além disso, em algumas situações, não resta demonstrado o interesse comum da Administração, prevalecendo o interesse somente do terceiro.

    Uma falha que ocorre em alguns convênios está no uso dos recursos repassados. De acordo com o art. 11 do Decreto 6.170/2007, a aquisição de produtos e a contratação de serviços com recursos da União transferidos a entidades privadas sem fins lucrativos deverão observar os princípios da impessoalidade, moralidade e economicidade, sendo necessária, no mínimo, a realização de cotação prévia de preços no mercado antes da celebração do contrato. Sendo assim, não se faz necessária a licitação, mas há que se cumprir os princípios que regem os procedimentos de contratação pública. No entanto, algumas vezes isso não é cumprido, por inexperiência, por falta de conhecimento de regras públicas e de convênio ou, até mesmo, por má-fé, trazendo grandes prejuízos.

     Em suma, como em qualquer contratação, é preciso haver planejamento para o uso do instituto do convênio, em estrita conformidade com o interesse público, que deve estar em primeiro lugar. Também é preciso responsabilidade por parte das entidades que se utilizam dos recursos dos convênios, fazendo um bom uso das verbas públicas repassadas. Por fim, o controle e a fiscalização dos órgãos concedentes devem ser efetivos, inclusive penalizando aqueles que não cumprem as exigências legais.

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

LICITAÇÃO DISPENSÁVEL EM CASOS DE EMERGÊNCIA OU CALAMIDADE PÚBLICA – POSICIONAMENTO DO TCU

por Simone Zanotello de Oliveira 


Sabemos que a regra geral que disciplina as contratações públicas tem como premissa a obrigatoriedade da realização de licitação para a aquisição de bens e a execução de serviços e obras. No entanto, como em toda regra há exceções, e não seria diferente com a Lei de Licitações, esse diploma legal dispõe algumas hipóteses nas quais a obrigatoriedade de realizar licitação estará afastada.

Doutrinariamente, podemos classificar essas hipóteses em três figuras distintas: a licitação dispensada, a licitação dispensável e a inexigibilidade de licitação. Primeiramente, vamos nos ater às diferenças entre licitação dispensável e licitação dispensada. Na licitação dispensável, o administrador, se quiser, poderá realizar o procedimento licitatório, sendo, portanto, uma faculdade. Com relação à licitação dispensada, o administrador não pode licitar, visto que já se tem a definição da pessoa com quem se firmará o contrato.

Portanto, na licitação dispensada não existe a faculdade para se realizar a licitação, enquanto que na licitação dispensável essa alternativa é possível, cabendo ao administrador fazer a análise do caso concreto, inclusive com relação ao custo-benefício desse procedimento e a bem do interesse público, levando-se em conta o princípio da eficiência, pois, em certas hipóteses, licitar pode não representar a melhor alternativa.

Já a inexigibilidade de licitação refere-se aos casos em que o administrador não tem a faculdade para licitar, em virtude de não haver competição ao objeto a ser contratado, condição imprescindível para um procedimento licitatório.

No que tange à figura da licitação dispensável, como já exposto, a Administração tem a faculdade de não realizar o procedimento licitatório para algumas hipóteses. As situações nas quais a licitação é dispensável encontram-se indicadas no art. 24, da  Lei Federal n. 8.666/93, que atualmente conta com 34 incisos.

Agora, vamos nos ater ao inciso IV do art. 24, que dispõe que a licitação será dispensável:

IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos.

Iniciemos pela calamidade pública. Ela tem origem em ações da natureza, como inundações, terremotos, vendavais, epidemias, dentre outras, que atingem a população, trazendo consequências desastrosas à saúde, aos bens, às atividades, etc. No entanto, para que seja possível a utilização desta hipótese de dispensa de licitação, é preciso que o Executivo declare esse estado de calamidade, via decreto, embasando, por consequência, essas contratações. 

Já os casos de emergência caracterizam-se pela necessidade imediata de resolução de um problema que possa trazer prejuízos à população, comprometendo sua segurança e pondo em risco obras, bens, serviços, etc. Se a Administração Pública não agir, poderá ser considerada omissa, inclusive respondendo no âmbito criminal. Entretanto, o estado de emergência deve caracterizar uma situação imprevisível, que exige um atendimento imediato, e não uma ausência de planejamento e de gestão administrativa.

Diante dessa assertiva, durante muito tempo o Tribunal de Contas da União manifestou-se pela irregularidade das contratações emergenciais provocadas pela omissão do Poder Público. Vejamos:

TCU – Decisão 397/96 – A alegação de emergência é descabida quando a Administração não adota, no prazo hábil, as medidas necessárias para realizar a licitação. (Outros Acórdãos no mesmo sentido: Acórdão 260/2002 – Plenário, Acórdão 348/2003 – 2ª. Câmara, Acórdão 771/2005 – 2ª. Câmara)

TCU – Acórdão 224/07 – Plenário – Não vale como justificativa para a contratação por dispensa de licitação a situação emergencial previsível e provocada pela inação do próprio poder público.

TCU – Acórdão 7.557/2010 – 2ª. Câmara – O planejamento inadequado por parte da Administração afasta a possibilidade de contratação emergencial, com fundamento no art. 24, inc. IV, da Lei 8.666/93.


No entanto, uma decisão importante sobre o tema foi prolatada pelo TCU, por meio do Acórdão 2240/15 – Primeira Câmara, TC 019.511/2011-6, de relatoria do Ministro Benjamin Zymler (em 28.4.2015), cuja leitura recomendamos, no sentido de que a dispensa de licitação também se mostra possível quando a situação de emergência decorrer da falta de planejamento, da desídia administrativa ou da má gestão dos recursos púbicos. O entendimento pauta-se na ideia de que a inércia do gestor, culposa ou dolosa, não pode vir em prejuízo de interesse público maior tutelado pela Administração, posição que concordamos.


Por outro lado, o julgado também deixa claro que nessas situações, entretanto, o reconhecimento da situação de emergência não implica convalidar ou dar respaldo jurídico à conduta omissiva do administrador, a quem cabe a responsabilidade pela não realização da licitação em momento oportuno.   

Portanto, as ações para apuração de responsabilidade deverão ser adotadas pela Administração nessa hipótese.

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

CAUTELAS PARA A RESCISÃO AMIGÁVEL DO CONTRATO ADMINISTRATIVO

por Simone Zanotello de Oliveira 

A Lei 8.666/93, em seu art. 79, prevê que a rescisão de um contrato administrativo poderá se dar:
- por ato unilateral e escrito da Administração, nos casos enumerados nos incisos I a XII e XVII do art. 78;
- de forma amigável, por acordo entre as partes, desde que haja conveniência para a Administração;
- pela via judicial, nos termos da legislação.

Com relação à rescisão unilateral, em regra ela é decorrente da inexecução total ou parcial do contrato, podendo ser cumulada com a aplicação de penalidades.

No entanto, o objeto de nosso estudo está na rescisão amigável e nas cautelas que o administrador deverá ter para a sua efetivação, levando-se em conta o posicionamento do Tribunal de Contas da União.

A rescisão amigável deve ter aplicação restrita, visto que deverá ser fundamentada na oportunidade e conveniência da Administração (e não do contratado) em não mais manter a relação contratual, sendo decorrência do seu poder discricionário. No entanto, é importante que essa rescisão não resulte em prejuízos à Administração.

Nesse sentido, uma rescisão amigável solicitada pela empresa contratada, que simplesmente alega a inviabilidade de executar o objeto contratual no prazo originalmente pactuado pelas partes, não encontra amparo no ordenamento. Trata-se de um caso de rescisão unilateral, e não amigável.  Essa questão já havia sido objeto de análise pelo TCU em 2013, por meio do Acórdão 740/2013 - Plenário, de relatoria do Ministro Benjamin Zymler: “A rescisão amigável do contrato sem a devida comprovação de conveniência para a Administração e de que não restaram configurados os motivos para a rescisão unilateral do ajuste configura irregularidade, por afrontar o disposto no art. 79, inciso II, da Lei 8.666/1993.”.

O tema veio a pauta novamente em 2014, por meio do Acórdão 3567 – Plenário, cuja leitura recomendamos, também com revisão do Ministro Benjamin Zymler, no qual foi estabelecido que o instituto da rescisão amigável previsto na Lei 8.666/93 tem aplicação restrita, uma vez que não é cabível quando configurada outra hipótese que dê ensejo à rescisão e somente pode ocorrer quando for conveniente para a Administração. Por conseguinte, não pode resultar em prejuízo para o contratante. Sendo necessário o serviço, não pode o gestor, discricionariamente, autorizar o término do contrato”.


Sendo assim, diante dos entendimentos expostos, as autoridades que eventualmente atuem na execução contratual (fiscal, gestor, ordenador de despesas, autoridade competente para a assinatura do contrato e outras) deverão ter a devida cautela para instruir uma eventual rescisão amigável, no sentido de que reste configurada a oportunidade e a conveniência de tal medida para a Administração (e não para o contratado, reforçamos), afastando-se a hipótese de rescisão unilateral ou judicial. 

quinta-feira, 1 de setembro de 2016

A LEI 13.303/16 – AS PRINCIPAIS INOVAÇÕES TRAZIDAS NAS CONTRATAÇÕES A SEREM REALIZADAS PELAS EMPRESAS GOVERNAMENTAIS

por Simone Zanotello de Oliveira

Em 30 de junho de 2016, tivemos a edição da Lei 13.303, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Essa legislação está sendo conhecida como Lei das Estatais ou Lei de Responsabilidade das Estatais.


A legislação, além de trazer aspectos voltados ao regime societário, à função social e à fiscalização das empresas governamentais, apresenta um título (II) dedicado exclusivamente às contratações feitas por elas, com enfoque nas licitações, nos casos de licitação dispensada e licitação dispensável, além das hipóteses de inexigibilidade de licitação, sem nos esquecermos dos contratos administrativos. Essas regras são aplicáveis tanto às empresas governamentais que explorem atividade econômica quanto as que prestam serviços.


Uma das diretrizes dessa lei refere-se à adoção preferencial do pregão, para a aquisição de bens e serviços comuns, seguindo a tendência atual de utilização da modalidade. Além disso, as empresas governamentais não mais utilizarão as demais modalidades de licitação previstas na Lei 8.666/93, devendo seguir os procedimentos da própria Lei 13.303/16. E, nesses procedimentos, temos prazos diferenciados para a divulgação do edital e o respectivo oferecimento de propostas e lances, os quais são estabelecidos de acordo com o objeto da contratação (bens, obras e serviços), além de prazos maiores para licitações com critério de julgamento pela melhor técnica ou melhor combinação de técnica e preço, bem como para as contratações integradas e semi-integradas (esta última uma novidade introduzida pela lei), objetivando um tempo maior de divulgação e de preparação das propostas.  


Uma questão polêmica está relacionada ao orçamento com estimativa de preços, o qual terá caráter sigiloso, tendência essa trazida do Regime Diferenciado de Contratação – RDC, sendo facultado às empresas governamentais, desde que devidamente justificado, darem publicidade a esse valor. Em nossa opinião esse sigilo vai na contramão das correntes que defendem a ampla publicidade da licitação e seu respectivo acesso, inclusive dos procedimentos da fase interna, o que inclui o orçamento. No entanto, se o julgamento da licitação ocorrer pelo maior desconto, a divulgação do orçamento será obrigatória.


Outro destaque diz respeito à atualização dos valores para as licitações dispensáveis, sendo que para obras e serviços de engenharia teremos o limite R$ 100.000,00, e para outros serviços e compras, até R$ 50.000,00. Por outro giro, esses valores poderão ser alterados para refletir a variação de custos, por deliberação do Conselho de Administração da empresa pública ou sociedade de economia mista, admitindo-se valores diferenciados para cada sociedade – algo que deverá ser objeto de muita cautela.


A legislação prevê, ainda, casos de licitação dispensada, de licitação dispensável e de inexigibilidade de licitação, sendo que muitas delas guardam similaridade com a atual Lei de Licitações, a exemplo das contratações emergenciais, das licitações desertas, dos remanescentes de contratação, do fornecedor exclusivo, dos serviços de notória especialização, dentre outros.


Os critérios de julgamento da licitação contam com ampliação quando comparadas à Lei 8.666/93, para contemplar outras formas de avaliação das propostas. Sendo assim, estão previstos os seguintes critérios: menor preço, maior desconto, melhor combinação de técnica e preço, melhor técnica, melhor conteúdo artístico, maior oferta de preço, maior retorno econômico e melhor destinação de bens alienados.


Também se estabeleceu fase recursal única nos procedimentos de contratação, a exemplo do que já ocorre hoje com o pregão, exceto nas licitações em que houver inversão de fases com análise preliminar da documentação.


No que tange aos contratos, esses, em regra, terão duração de 5 anos, com a disposição de algumas exceções, que poderão contar com prazo superior. Ademais, as alterações contratuais não mais terão a possibilidade de serem impostas unilateralmente, como ocorre atualmente em algumas hipóteses previstas na Lei 8.666/93. A nova Lei das Estatais dispõe que eventuais alterações somente poderão ser realizadas se houver comum acordo entre as partes, inclusive os acréscimos e supressões dentro do limite de 25%., que são feitos de forma unilateral na atual Lei de Licitações.


Enfim, numa breve síntese, essas foram as principais modificações trazidas pela Lei 13.303/16, sendo que as estatais terão um prazo de 24 meses para se adequarem a essas novas regras, com o destaque de que os procedimentos licitatórios e contratos iniciados ou celebrados até o final desse prazo permanecem regidos pela legislação anterior.