domingo, 14 de outubro de 2018

LICITAÇÃO DISPENSÁVEL PARA ESTABELECIMENTOS PENAIS


por Simone Zanotello de Oliveira 

Sabemos que a regra geral que disciplina as contratações públicas tem como premissa a obrigatoriedade da realização de licitação para a aquisição de bens e a execução de serviços e obras. 

No entanto, como em toda regra há exceções, e não seria diferente com a Lei de Licitações, esse diploma legal dispõe algumas hipóteses nas quais a obrigatoriedade de realizar licitação estará afastada.

Doutrinariamente, podemos classificar essas hipóteses em três figuras distintas: a licitação dispensada, a licitação dispensável e a inexigibilidade de licitação.

Na licitação dispensada não existe a faculdade para se realizar a licitação, enquanto que na licitação dispensável essa alternativa é possível, cabendo ao administrador fazer a análise do caso concreto, inclusive com relação aos custos desse procedimento e a bem do interesse público. Já a inexigibilidade de licitação se refere aos casos em que o administrador não tem a faculdade para licitar, em virtude de não haver competição ao objeto a ser contratado.

            Para o fim deste estudo, interessa-nos a figura da licitação dispensável, por meio da qual a Administração tem a faculdade de não realizar o procedimento licitatório para algumas hipóteses.

            As situações nas quais a licitação poderá ser dispensável se encontram indicadas no art. 24, incs. I a XXXV (até 2017) da Lei 8.666/93.

            Vamos destacar nesta matéria a inserção do inciso XXXV no art. 24, dispondo sobre mais uma hipótese de licitação dispensável. Ele é aplicável para a construção, a ampliação, a reforma e o aprimoramento de estabelecimentos penais, desde que configurada situação de grave e iminente risco à segurança pública.

Essa hipótese de dispensa foi inserida pela Lei Federal 13.500, de 26 de outubro de 2017, que dentre várias outras disposições, trouxe a instituição do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública,  a ser gerido pelo Departamento Penitenciário Nacional(Depen), com finalidade de proporcionar recursos e meios para financiar e apoiar as atividades e os programas de modernização e aprimoramento do sistema penitenciário nacional.

Portanto, trata-se de mais uma hipótese de dispensa, com o objetivo de auxiliar e agilizar a resolução dos graves problemas que o sistema prisional brasileiro apresenta, notadamente em casos de grave e iminente risco à segurança pública.

quarta-feira, 15 de agosto de 2018

O SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS E A CONTRATAÇÃO DE OBRAS


por Simone Zanotello de Oliveira


            O Sistema de Registro de Preços – SRP, refere-se a um conjunto de procedimentos para registro formal de preços relativos à prestação de serviços e aquisição de bens, para contratações futuras. Poderá ser processado por meio de Concorrência ou de Pregão (no caso de bens e serviços comuns). Dentre suas hipóteses de adoção, podemos citar a necessidade de contratações frequentes, a aquisição de bens com previsão de entregas parcelada, a contratação de serviços remunerados por unidade de medida ou em regime de tarefa, o atendimento a mais de um órgão ou entidade, ou a programas de governo, bem como a  impossibilidade de definir previamente o quantitativo a ser demandado. Em âmbito federal, o SRP é regulado pelo Decreto n. 7.892/2013 e alteração. 

Com relação a esse sistema, uma dúvida que surge diz respeito à sua utilização para a execução de obras. Esse tema foi recentemente enfrentado pelo TCU, por meio do Acórdão n. 980/2018 – Plenário, de relatoria do Ministro-Substituto Marcos Bemquerer, que dispôs que o SRP não é aplicável à contratação de obras, pelo fato de o objeto não se enquadrar em nenhuma das hipóteses previstas no art. 3º. do Decreto 7.892/2013. Além disso, o Acórdão reforça a ideia de que na contratação de obras não há demanda por itens isolados, pois os serviços não poderiam ser dissociados uns dos outros.

Ademais, ressaltamos que esse tema também foi enfrentado pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, que editou a Súmula n. 32, no seguinte sentido: “Em procedimento licitatório, é vedada a utilização do sistema de registro de preços para contratação de obras e de serviços de engenharia, exceto aqueles considerados como de pequenos reparos.”

Concluindo, em princípio, a utilização do SRP para a execução de obras mostra-se incompatível.

terça-feira, 12 de junho de 2018

DESCLASSIFICAÇÃO DE PROPOSTA POR INEXEQUIBILIDADE – CAUTELA



por Simone Zanotello de Oliveira 


Numa licitação, de acordo com o art. 48, II, da Lei 8.666/93, deverão ser desclassificadas propostas com preços manifestamente inexequíveis. No entanto, a questão que surge é: o que seria um “preço manifestamente inexequível”? Nesse mesmo dispositivo, encontramos a elucidação desse conceito, trazendo a definição de que um preço inexequível é aquele “que não venha a ter demonstrada sua viabilidade através de documentação que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto do contrato”.

Diante disso, extraímos desse conceito a ideia de que um preço inexequível não pode ser declarado de ofício pela Comissão ou pelo Pregoeiro, de forma subjetiva. Do contrário, deverá ser dada ao licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade do preço ofertado.

Nas lições de Marçal Justen Filho, temos que a desclassificação por inexequibilidade é uma exceção, em hipóteses muito restritas, tendo em vista que o Estado não pode se transformar num fiscal da lucratividade das empresas. [1]

Há tempos o Tribunal de Contas da União tem dado orientação em seus julgados, no sentido de que se deve facultar aos participantes do certame a possibilidade de comprovarem a exequibilidade das suas propostas.

Esse posicionamento foi confirmado por meio do Acórdão TCU 1079/2017 – Plenário, de relatoria do Ministro-Substituto Marcos Bemquerer. Nesse julgado foi trazida a premissa de que a desclassificação de uma proposta por inexequibilidade deve ser “objetivamente demonstrada”. Portanto, ao licitante deverá ser dada a oportunidade para que ele “defenda sua proposta”, demonstrando que possui capacidade para executar os serviços, nas condições estabelecidas no instrumento convocatório, tendo sua proposta desclassificada somente se não tiver sucesso nessa demonstração.

Até mesmo no caso de julgamento de licitações de obras e serviços de engenharia, em que o art. 48, inciso II, § 1º, alíneas “a” e “b”, da Lei 8.666/93, prevê um cálculo matemático para a aferição de um preço manifestamente inexequível, verificamos que a jurisprudência estabelece a necessidade de dar oportunidade ao licitante de demonstrar a exequibilidade da sua proposta, visto que esse cálculo conduz apenas a uma presunção relativa de inexequibilidade de preços. Tal entendimento encontra-se solidificado na Súmula TCU 262.[2]

Portanto, a Comissão e o Pregoeiro deverão ter muita cautela na desclassificação de propostas inexequíveis, nunca fazendo essa ação antes de dar oportunidade ao licitante para a demonstração da exequibilidade dos preços ofertados.  





[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 15. ed. São Paulo : Dialética, 2012, p. 754.
[2] Súmula TCU 262 - O critério definido no art. 48, inciso II, § 1º, alíneas “a” e “b”, da Lei nº 8.666/93 conduz a uma presunção relativa de inexequibilidade de preços, devendo a Administração dar à licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade da sua proposta.


domingo, 13 de maio de 2018

O PAGAMENTO ANTECIPADO NAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS


por Simone Zanotello de Oliveira


O art. 40 da Lei 8.666/93 dispõe uma série de exigências que devem constar obrigatoriamente do edital da licitação, e uma dessas exigências refere-se às condições para pagamento do contratado. O inciso XIII do referido artigo exige que o edital estabeleça limites para pagamento de instalação e mobilização para execução de obras ou serviços que serão obrigatoriamente previstos em separado das demais parcelas, etapas ou tarefas. Ademais, na sequência, o inciso XIV estabelece que o edital deve dispor sobre as cláusulas de pagamento, prevendo: a) prazo de pagamento não superior a trinta dias, contado a partir da data final do período de adimplemento de cada parcela; b) cronograma de desembolso máximo por período, em conformidade com a disponibilidade de recursos financeiros; c) critério de atualização financeira dos valores a serem pagos, desde a data final do período de adimplemento de cada parcela até a data do efetivo pagamento; d) compensações financeiras e penalizações, por eventuais atrasos, e descontos, por eventuais antecipações de pagamentos; e e) exigência de seguros, quando for o caso.

A questão que vamos tratar nesta matéria diz respeito à antecipação de pagamento do fornecedor nas contratações públicas. Será que é possível pagar antecipadamente o fornecedor, sem que haja a sua contraprestação? Em princípio, a resposta será não. Como regra, na Administração Pública temos a figura do pagamento somente mediante contraprestação por parte do fornecedor. No entanto, como em toda regra há exceções, a jurisprudência já identificou alguns casos em que a Administração poderá pagar o fornecedor antecipadamente. Trata-se de situações excepcionais em que a própria natureza do objeto e as condições mercadológicas conduzem para essa situação.

Em 2010, tivemos o Acórdão 1.341/2010 – Plenário do TCU, de relatoria do Ministro Marcos Bemquerer, que prescreveu que “os órgãos da Administração Pública devem abster-se de realizar pagamentos antecipados aos contratados, quando não houver a conjunção dos seguintes requisitos: previsão da medida no ato convocatório, existência no processo licitatório de estudo fundamentado comprovando a real necessidade e economicidade da medida, e estabelecimento de garantias específicas e suficientes que resguardem a Administração dos riscos inerentes à operação”.

Já em 2011, o assunto foi tratado pelo Advocacia Geral da União, por meio da Orientação Normativa n. 37, que estabeleceu que “a antecipação de pagamento somente deve ser admitida em situações excepcionais, devidamente justificada pela Administração, demonstrando-se a existência de interesse público, observados os seguintes critérios: 1) represente condição sem a qual não seja possível obter o bem ou assegurar a prestação do serviço, ou propicie sensível economia de recursos; 2) existência de previsão no edital de licitação ou nos instrumentos formais de contratação direta; e 3) adoção de indispensáveis garantias, como as do art. 56 da Lei 8.666/9, ou cautelas, como por exemplo a previsão de devolução do valor antecipado caso não executado o objeto, a comprovação de execução de parte ou etapa do objeto e a emissão de títulos de crédito pelo contratado, entre outras”.

O assunto voltou à torna recentemente, por meio do Acórdão 1826/2017 – Plenário do TCU, de relatoria do Ministro Vital do Rêgo, que reafirmou que a inclusão de cláusula de antecipação de pagamento fundamentada no art. 40, inciso XIV, alínea d, da Lei 8.666/1993 deve ser precedida de estudos que comprovem sua real necessidade e economicidade para a Administração Pública.

Portanto, a antecipação de pagamento trata-se de medida excepcional que poderá ser adotada pela Administração Pública, mas que carece de diversas condições, conforme visto, destacando-se a justificativa técnica da sua necessidade, demonstrando a necessidade e a economicidade, a existência de previsão em edital e contrato, bem como a exigência de garantias que possam resguardar a Administração, assegurando o pleno cumprimento do objeto.

Por fim, destacamos que somente nessas condições, ou seja, com definição prévia em edital estabelecendo todas as regras, é que a antecipação de pagamento poderá ser prevista, não sendo possível estabelecer essa condição por meio de modificação de um contrato que não contou com essa disposição prévia. Nesse sentido, temos o art. 65, II, “c”, da Lei 8.666/93, que dispõe que é possível alterar um contrato, por comum acordo entre as partes, quando necessária a modificação da forma de pagamento, por imposição de circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial atualizado. No entanto, a alínea veda expressamente a antecipação do pagamento, com relação ao cronograma financeiro fixado, sem a correspondente contraprestação de fornecimento de bens ou execução de obra ou serviço. Portanto, a decisão de efetuar o pagamento antecipado não pode ser tomada no curso da execução contratual.



domingo, 14 de janeiro de 2018

O REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO NAS HIPÓTESES DE VARIAÇÃO CAMBIAL

por Simone Zanotello de Oliveira 

Nos contratos administrativos, o reequilíbrio econômico-financeiro das contratações tem suporte no art. 37, XXI, da Constituição Federal[1], e no art. 65, II, “d” da Lei de Licitações[2]. Trata-se de espécie de alteração contratual, que poderá ser estabelecida de comum acordo entre as partes (contratante e contratada).

Nesse sentido, vamos analisar o recente posicionamento do Tribunal de Contas da União, no que tange ao reequilíbrio econômico-financeiro decorrente da variação da taxa de câmbio, com foco na teoria da imprevisão. Não temos como dizer que essa variação representa um fato imprevisível, pois é do conhecimento de todos a existência de flutuação das taxas cambiais. Portanto, ela representa um fato previsível.

No entanto, embora previsível, poderá apresentar consequências incalculáveis. Esse foi o entendimento consubstanciado no Acórdão 1.431/2017, Plenário, de relatoria do Ministro Vital do Rêgo. Por meio de uma consulta formulada pelo Ministério do Turismo, a Corte de Contas posicionou-se no sentido de que a variação da taxa cambial, tanto para mais quanto para menos, não pode ser considerada por si só, isoladamente, como um fundamento para o reequilíbrio econômico-financeiro.  Por outro lado, se a variação do câmbio fugir à normalidade, ou seja, se apresentar consequências que não poderiam ser previstas pelo homem médio, com uma flutuação excessiva, ocorrida de forma inesperada, acarretando onerosidade excessiva ao contrato e rompendo seu equilíbrio, ela poderia resultar na necessidade de recomposição do contrato, nos termos da legislação. Há que se avaliar o caso concreto.

O assunto em tela já havia sido objeto de análise pela Corte, por meio do Acórdão 2.837/2010, de relatoria do Ministro Walton Alencar Rodrigues. Na época, o TCU já entendia que a mera variação cambial não configuraria causa excepcional de mutabilidade dos contratos administrativos. Portanto, a variação cambial não configuraria motivo para a concessão do reequilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, por conta de sua previsibilidade. O relator enfatizou que se esse não fosse o entendimento, no regime de câmbio flutuante, todos os processos em que houvesse variação positiva poderiam ensejar solicitações de recomposição de preços, o que não ocorria.

Entretanto, para finalizar, reforça-se o entendimento atual no sentido de que se a variação cambial apresentar-se de forma excessiva, fora da normalidade, causando onerosidade ao contratado e rompendo o equilíbrio da relação contratual, poderá caracterizar um dos fundamentos que autorizam a concessão do reequilíbrio econômico-financeiro.







[1] Art. 37, XXI, da CF: XXI -  ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.” (grifo nosso)
[2] Art. 65, II, “d”, da Lei 8.666/93: “Art. 65.  Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: (...) II - por acordo das partes: (...) d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.” (grifo nosso)