domingo, 21 de março de 2021

INFORMAÇÕES E ESCLARECIMENTOS SOBRE O EDITAL

 

PAINEL SUPERCIA 06/2021

BOAS PRÁTICAS EM CONTRATAÇÕES PÚBLICAS

 por Simone Zanotello de Oliveira 

O art. 40, inc. VIII, da Lei 8.666/93, dispõe que o edital deverá conter cláusula prevendo os locais, horários e códigos de acesso dos meios de comunicação a distância em que serão fornecidos elementos, informações e esclarecimentos relativos à licitação e às condições para atendimento. Trata-se do instituto das “informações e esclarecimentos”. 

Nesse sentido, para que se preserve a isonomia e a competitividade do certame, o edital deverá dispor uma amplitude em relação aos meios de acesso, prevendo possibilidades diversas para que o licitante possa tirar suas dúvidas – pessoalmente, por e-mail, pelo portal, etc. – evitando a eleição de um meio único de contato. Deverá, também, dispor prazo razoável para que os licitantes possam fazer uso desse direito. A praxe tem sido a fixação de 2 ou 3 dias úteis antes da abertura do certame como limite para a realização dos questionamentos, dependendo da regulamentação de cada ente federado. 

É importante destacar que é direito do licitante efetuar questionamentos sobre o edital, caso tenha dúvidas, bem como é dever da Administração responder a eles. 

A resposta dada pela Administração possui efeito vinculante ao edital, como se fosse um novo anexo, e deverá ser do conhecimento de todos, e não só daquele que efetuou a pergunta. Esse efeito vinculante já foi reconhecido pelo TCU: 

TCU - Acórdão 299/2015-Plenário, TC 010.641/2013-0, relator Ministro Vital do Rêgo. Esclarecimentos prestados administrativamente para responder a questionamento de licitante possuem natureza vinculante para todos os participantes do certame, não se podendo admitir, quando da análise das propostas, interpretação distinta, sob pena de violação ao instrumento convocatório. 

Para tanto, o edital deverá prever as formas de oferecimento da elucidação de questões. A própria Administração poderá se responsabilizar em enviar esses questionamentos e respectivas respostas para aqueles que obtiveram o edital, quando houver registro desses licitantes, ou dispor esses questionamentos e respostas num ambiente que poderá ser acessado pelo licitante (no portal, por exemplo). Nesse caso, o edital deverá estabelecer que é responsabilidade do licitante acessar o portal para verificar eventuais esclarecimentos ao edital. 

Outro ponto a ser destacado é que caberá à Administração responder aos questionamentos em tempo hábil, para que o licitante possa ter tempo de oferecer sua proposta, caso seja de interesse. A lei não fez previsão acerca do prazo para as respostas por parte da Administração. Há alguns regulamentos de entes federados que até fazem essa previsão. No entanto, é fato que as respostas deverão ser dadas antes da abertura da licitação e num tempo razoável (evitar responder ao questionamento dez minutos antes da abertura da licitação, por exemplo). Nesse sentido, temos  o seguinte julgado do TCU:  Acórdão 531/07 – Plenário - Responder aos questionamentos antes da realização do certame e em tempo suficiente para a apresentação da proposta. 

            Como exemplo de regulamentação sobre esclarecimentos, citamos o Decreto Federal 10.024/2019, que trata da modalidade pregão eletrônico em âmbito federal, que dispõe que os pedidos de esclarecimentos referentes ao processo licitatório deverão ser enviados ao pregoeiro, até três dias úteis anteriores à data fixada para abertura da sessão pública, por meio eletrônico, na forma do edital. Nesse caso, o pregoeiro deverá responder aos pedidos de esclarecimentos no prazo de dois dias úteis, contado da data de recebimento do pedido, e poderá requisitar subsídios formais aos responsáveis pela elaboração do edital e dos anexos. Conforme já expusemos, o Decreto reforça que as respostas aos pedidos de esclarecimentos serão divulgadas pelo sistema e vincularão os participantes e a Administração. 

O gestor também precisa ficar atento em relação aos esclarecimentos prestados, a fim de verificar se realmente representam apenas elucidações aos termos do edital, ou se na verdade trata-se de modificações ao instrumento convocatório. Esclarecimentos não exigem reabertura do prazo da licitação, por não configuram modificações ao edital. No entanto, se por meio do questionamento se verificar a necessidade de alteração de termos do edital, há que se providenciar uma retificação nesse instrumento.  Além disso, se essas modificações tiverem interferência na formulação da proposta ou nas exigências que se faz em relação à empresa, há que se promover a reabertura da divulgação do certame, com a contagem do prazo de publicidade novamente. Portanto, não só alterações ao objeto possuem interferência, mas também a inclusão ou exclusão de exigências, como documentos, por exemplo. Nessa esteira, o TCU já se manifestou com relação à necessidade de reabertura de prazo: 

TCU, AC-2632-49/08-P, Rel. Min. Marcos Bemquerer Costa. - (...) 18. Como se vê, a interpretação dada pelo doutrinador é no sentido de que tanto as modificações editalícias que aumentam quanto as que reduzem os requisitos para participar dos certames reclamam a reabertura do prazo legal de publicidade inicialmente concedido. 19. Não poderia ser outra a intelecção dada à matéria, uma vez que a norma em foco busca dar fiel cumprimento ao princípio da publicidade e da vinculação ao instrumento convocatório que norteiam as disputas dessa natureza, eis que o edital serve para dar amplo conhecimento aos interessados em participar do torneio licitatório, bem como estabelece as regras a serem observadas no seu processamento, que vinculam a Administração e os licitantes.(...) 

TCU – Acórdão 2561/2013 – Plenário - TC 021.258/2013-9, relator Ministro-Substituto André Luis de Carvalho. Alterações promovidas no edital que repercutam substancialmente no planejamento das empresas interessadas, sem a reabertura do prazo inicialmente estabelecido ou sem a devida publicidade, restringem o caráter competitivo do certame e configuram afronta ao art. 21, § 4º, da Lei 8.666/93. 

TCU - Acórdão 702/2014-Plenário, TC 018.901/2013-1, relator Ministro Valmir Campelo. É necessária a republicação do edital nos casos em que as respostas aos pedidos de esclarecimentos de licitantes, ainda que publicadas em portal oficial, impactem na formulação das propostas, em conformidade com o disposto no art. 21, § 4º, da Lei 8.666/93. 

Em suma, devemos dar especial atenção a esse item do edital, a fim de que não haja restrição ao direito dos licitantes de tirarem suas dúvidas em relação aos termos do instrumento convocatório. Além disso, é preciso ficar atento às respostas a serem dadas, verificando seu conteúdo e o efeito que irão imprimir aos procedimentos da licitação. 

 

Profa. Dra. Simone Zanotello de Oliveira: Advogada, professora, consultora jurídica e autora de diversas obras na área de contratações públicas. Doutora em Direito Administrativo na PUC-SP.

 

A AQUISIÇÃO POR LOTES NA LICITAÇÃO

 

PAINEL SUPERCIA 05/2021

BOAS PRÁTICAS EM CONTRATAÇÕES PÚBLICAS

 por Simone Zanotello de Oliveira

 

Uma das dúvidas que poderão surgir para o gestor no momento da elaboração de um procedimento licitatório refere-se à forma de realização do certame. Sendo assim, temos a possibilidade de realizar uma licitação por itens ou então por lotes (grupos), com total implicação na sua forma de análise, julgamento e contratação. No entanto, essa decisão não é aleatória, e deverá estar embasada em critérios técnicos e econômicos, por meio de estudos a serem realizados na fase interna da licitação, por ocasião da confecção do objeto. É preciso efetuar a análise do objeto em relação às características e quantitativos, bem como no que tange à sua prática de comercialização, com o intuito de se identificar essa melhor forma. 

Na licitação por item, há a concentração de diferentes objetos num único procedimento licitatório, que poderiam representar, cada qual, um certame distinto. É como se estivéssemos realizando diversas licitações num só processo, tendo um vencedor para cada item. Já a licitação em lotes ou grupos pressupõe a aglutinação de vários itens num mesmo lote ou grupo, com o objetivo de otimizar a licitação. No entanto, essa junção precisa ser devidamente justificada por critérios técnicos e econômicos. Nesse caso, dois conceitos são importantes para a formação do lote: similaridade (ou afinidade) e economicidade. Podem ocorrer casos em que a formação do lote se dá porque é preciso que haja uma compatibilidade entre os itens, o que faz emergir a necessidade de compra conjunta - exemplos: vários itens para um mesmo local ou ambiente que necessitam de uma padronização;  itens que só funcionam em conjunto com outro; itens com a mesma especificação, no entanto com pequenas variações de característica (cor, tamanho, etc.). São quesitos técnicos que irão requer uma aquisição por lote. Outra situação seria a formação de lote para tornar o objeto mais atrativo do ponto de vista econômico. Como exemplo podemos citar materiais que, pela maneira como serão adquiridos (valor unitário e quantidade), não são atrativos, por representam um valor irrisório. Com isso, há a necessidade de junção com os outros itens, que possuam equivalência, formando um lote, para que passe a ser economicamente mais atrativo aos licitantes. 

A jurisprudência do TCU está pacificada no sentido de que a regra é que a adjudicação ocorra por item, sendo a adjudicação por lote a exceção, desde que devidamente justificada a razão de sua necessidade. Essa questão está expressa na Súmula TCU 247:  É obrigatória a admissão da adjudicação por item e não por preço global, nos editais das licitações para a contratação de obras, serviços, compras e alienações, cujo objeto seja divisível, desde que não haja prejuízo para o conjunto ou complexo ou perda de economia de escala, tendo em vista o objetivo de propiciar a ampla participação de licitantes que, embora não dispondo de capacidade para a execução, fornecimento ou aquisição da totalidade do objeto, possam fazê-lo com relação a itens ou unidades autônomas, devendo as exigências de habilitação adequar-se a essa divisibilidade. 

Diversos Acórdãos também fixam essa linha de raciocínio. 

TCU – Acórdão 2077/2011 – Plenário – Em regra, as aquisições por parte de instituições públicas devem ocorrer por itens, sendo que no caso de opção de aquisição por lotes a composição destes deve ter justificativa plausível. 

TCU - Acórdão 529/2013 – Plenário - A adoção do critério de julgamento de menor preço por lote somente deve ser adotado quando for demonstrada inviabilidade de promover a adjudicação por item e evidenciadas fortes razões que demonstrem ser esse o critério que conduzirá a contratações economicamente mais vantajosas. 

TCU – Acórdão 1680/2015 – Plenário -  O critério de julgamento de menor preço por lote somente deve ser adotado quando for demonstrada inviabilidade de se promover a adjudicação por item e evidenciadas razões que demonstrem ser aquele o critério que conduzirá a contratações economicamente mais vantajosas. 

Outra questão a ser tratada na formação do lote é que os itens que irão compô-lo necessitam ter a mesma natureza, bem como guardar relação entre si, inclusive quanto aos seus fornecedores. Vejamos o entendimento do TCU: 

TCU - Acórdão 861/2013 – Plenário - É lícito o agrupamentos em lotes de itens a serem adquiridos por meio de pregão, desde que possuam mesma natureza e que guardem relação entre si.  (...) Representação efetuada por empresa, com pedido de medida cautelar, apontou supostas irregularidades na condução do Pregão Eletrônico XX, que tem por objeto a aquisição de mobiliário para as unidades da XXX. Entre os quesitos do edital impugnados, destaque-se o que estabeleceu o agrupamento dos itens de mobiliários (estações de trabalho, mesas diversas, gaveteiros, armários variados e estantes) em lotes. 

TCU - Acórdão 964/2013 – Plenário - A inserção, em mesmo lote, de itens usualmente produzidos por empresas de ramos distintos restringe o caráter competitivo da licitação. (...) Destaque-se, entre as ocorrências identificadas, o agrupamento, em único lote, de software para gestão de arquivos e de arquivos físicos (arquivo deslizante e demais acessórios). (...) Diferentemente dos demais acessórios constantes no lote 1 (prateleiras, gavetas, quadros corrediços para pastas suspensas, quadro de lanças para projetos),  “em que as características/tamanhos do produto adquirido de outros fornecedores poderiam ser incompatíveis com o arquivo deslizante adquirido ..., os softwares para gestão de arquivos podem ser utilizados nos mais diversos casos e com arquivos físicos de qualquer fornecedor”. 

Em suma, devemos ter em mente que a regra sobre a forma de contratação nas licitações é por itens, sendo exceção a utilização do lote ou grupo, desde que haja necessidade técnica e econômica para tal agrupamento, o que deverá ser avaliado pelo gestor no caso concreto.

 

Profa. Dra. Simone Zanotello de Oliveira: Advogada, professora, consultora jurídica e autora de diversas obras na área de contratações públicas. Doutora em Direito Administrativo na PUC-SP.

 

DICAS PARA ELABORAÇÃO DE EDITAIS

 

PAINEL SUPERCIA 04/2021

BOAS PRÁTICAS EM CONTRATAÇÕES PÚBLICAS

 por Simone Zanotello de Oliveira 


Os editais são ferramentas para a concretização das licitações, visto que eles apresentam todas as regras para a participação no certame, além de estipular os direitos e obrigações do órgão/entidade e dos licitantes, inclusive durante a execução contratual.

No entanto, redigir, analisar e interpretar editais não é uma tarefa tão fácil, tanto para os administradores, quanto para os interessados em participar do procedimento. Por isso, é preciso ficar atento para algumas ações que são imprescindíveis para a elaboração de um edital que venha atender ao real objetivo de uma licitação: a busca da proposta mais vantajosa.

Sendo assim, em primeiro lugar é preciso conhecer toda a legislação que possui aplicação direta na licitação. Ademais, também é preciso conhecer os princípios que regem os procedimentos licitatórios, pois nem sempre a lei possui resposta para todas as nossas questões. Nessa esteira, ter conhecimento sobre as jurisprudências e as súmulas relativas às licitações, notadamente aquelas emanadas pelo Tribunal de Contas da União e pelo respectivo tribunal que fiscaliza as contas do órgão/entidade, é de suma importância para a confecção de editais, com o objetivo de que esses não venham a ser questionados junto aos órgãos de controle, por não cumprimento dessas orientações.

A confecção de um edital deverá estar pautada em três premissas: precisão, suficiência e clareza. A precisão está no aspecto descritivo de todas as suas exigências; a suficiência estará cumprida quando todos os elementos do edital propiciarem que o licitante possa ofertar seu preço; e, por fim, a clareza está na própria linguagem utilizada no edital, o seu aspecto redacional,  que permita o pronto entendimento de suas estipulações, sem ambiguidades ou contradições.

Para a elaboração dos instrumentos convocatórios, nas mais variadas modalidades de licitação, o que inclui o pregão, é necessário que se sigam as orientações contidas no art. 40 da Lei 8.666/93. Esse dispositivo elenca todos os itens que um edital deverá apresentar.

          Em termos técnicos, é importante destacar que os instrumentos convocatórios dividem-se em “editais” propriamente ditos (para as licitações nas modalidades concorrência, tomada de preços, pregão, concurso e leilão) e em “cartas-convites” (para as licitações na modalidade convite). No entanto, muitas vezes acabamos utilizando as expressões “edital” e “instrumento convocatório” como sinônimas, abrangendo todas as modalidades. 

A redação de editais é repleta de paradigmas que necessitam ser quebrados. Um deles está relacionado à sua formalidade. Não há dúvidas de que os editais são extremamente formais, e devem continuar sendo, pois representam ações de determinadas autoridades, que agem em virtude de leis, em nome de uma coletividade, o que exige grande responsabilidade. No entanto, “formalidade” não pode significar “involução”. A linguagem evoluiu, os procedimentos evoluíram, as ações evoluíram, enfim, o Estado evoluiu. Então, por que não evoluir também a redação dos editais? Os instrumentos convocatórios devem deixar de lado os preciosismos e os rebuscamentos de linguagem, o vocabulário prolixo e as expressões arcaicas, que já estão fora de uso, pois, do contrário, esses textos não mais atingirão seus leitores – os licitantes, e isso será desastroso, já que o principal intuito de um edital é ter uma contratação que tenha sido objeto de uma ampla competitividade. Portanto: é preciso modernizar. Mas é importante lembrar que “modernizar” não é utilizar a língua de qualquer jeito, da maneira como se fala, na sua forma coloquial ou informal. Modernizar é tornar a linguagem clara, objetiva e concisa, sem deixar de lado o seu caráter culto ou formal, mantendo vivos os preceitos da língua. É fundamental lembrar que: “a virtude está no meio”. 

Outro paradigma a ser quebrado é a utilização, sem critério, dos chamados “modelos” ou “bonecos”. Logicamente, os modelos facilitam, e muito, o processo de montagem de novos editais. Como dizem alguns: “não precisamos inventar a roda novamente”.  No entanto, deve-se tomar muito cuidado com a utilização desses “instrumentos auxiliares”, a fim de não se produzir editais cujo conteúdo não condiz com a realidade do objeto a ser licitado. Os modelos devem ser lidos e analisados criteriosamente, tanto quanto ao seu conteúdo, quanto à sua forma, e serem adaptados para cada objeto e local de contratação. É preciso aproveitar o que há de melhor em cada um deles, e não fazer uma cópia, pois a sabedoria popular diz que “cada caso é um caso”. 

E, por último, é preciso se quebrar o paradigma do desconhecimento. Quantas vezes não se ouvem frases do tipo: “Olha, não sei o que isso significa”, ou “O órgão técnico mandou eu redigir assim”, ou ainda, “Meu chefe chega às 10 horas e só ele pode lhe explicar”. Aqueles que preparam editais devem ter conhecimento sobre aquilo que estão redigindo, para poderem aperfeiçoar as suas produções escritas e, inclusive, prestarem informações sobre elas.  Uma das grandes dificuldades verificadas no momento da redação de um edital, aliada à necessidade de se trabalhar com a linguagem, é a falta de conhecimento sobre o objeto a ser licitado. Na maioria das vezes, aquele que precisa redigir um edital, não é aquele que conhece ou vai usar o produto, o serviço ou a obra. Por isso, para aquele que vai preparar um edital, os conselhos são: procure entender qual será o objeto da contratação e quais serão as suas condições de execução. Além disso, se puder, pesquise, leia, ouça pessoas que entendam do assunto (preferencialmente o órgão requisitante) e, a partir daí, monte suas próprias ideias acerca daquele objeto. Depois, é só organizar essas ideias e iniciar a montagem do edital, lembrando que ele deverá ser o instrumento que propicie a competitividade, resguardando o interesse público. 

Parafraseando o grande mestre, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, o edital deverá ser um instrumento “convocatório” e não “espantatório”. 

 

Profa. Dra. Simone Zanotello de Oliveira: Advogada, professora, consultora jurídica e autora de diversas obras na área de contratações públicas. Doutora em Direito Administrativo na PUC-SP.

 

FRAUDES EM LICITAÇÃO – COMO ELAS OCORREM E COMO EVITÁ-LAS

 

PAINEL SUPERCIA 03/2021

BOAS PRÁTICAS EM CONTRATAÇÕES PÚBLICAS

 por Simone Zanotello de Oliveira

 

Os caminhos utilizados pelos corruptos para fraudar licitações são os mais diversos. Usa-se a licitação, mas também se usam os casos de dispensa e inexigibilidade de licitação. A fraude poderá ocorrer por meio de elevação arbitrária dos preços, do oferecimento de produto que não atende ao edital, do recebimento por uma execução não efetuada no todo ou em parte, dentre muitas outras ocorrências que oneram os cofres, e que podem ter ou não a conivência do agente público. 

De uma maneira geral, todas as modalidades licitatórias estão sujeitas a fraude. No entanto, a modalidade Convite, por não exigir publicação em órgão de imprensa oficial, mas somente o convite por parte da Administração a pelo menos 3 empresas e a afixação do aviso do edital em mural no próprio órgão, acaba por ser um facilitador para ações indevidas. Nesse caso, poderão ocorrer conluios ou cartéis entre os participantes, com ou sem a conivência do agente público. 

Além disso, as fraudes em licitação podem ocorrer nas várias etapas do certame – tanto interna quanto externa, bem como na execução contratual. Na fase interna, ela poderá estar contida no direcionamento da licitação a determinada empresa, de forma dolosa ou culposa por parte do agente público, por ocasião da preparação de documentos como termo de referência/projeto básico e edital, por meio de exigências em relação ao objeto ou as demais condições da licitação (entrega, documentação, etc.) que somente poderiam ser atendidas por uma empresa específica. 

Com a fase externa, o risco é o mesmo. Poderá haver a formação de conluios ou cartéis entre os licitantes, com ou sem o conhecimento do agente público. E na execução contratual, a fraude poderá estar presente por meio do pagamento ao fornecedor sem a execução do objeto ou diante de sua execução ineficiente, o cumprimento do contrato de modo diverso do que foi ajustado na licitação, com prejuízo aos cofres, a concessão de aditamentos ou aumentos de preços sem previsão legal, dentre outras ocorrências, que poderão ou não ter o envolvimento do agente público. 

Os agentes públicos deverão ficar atentos a alguns sinais que podem indicar fraudes na licitação: (i) propostas apresentadas que possuem redação semelhantes e até os mesmos erros e rasuras; (ii) nítido rodízio entre os vencedores das licitações; (iii)  fornecedores que desistem de forma inesperada das licitações; (iv) concorrentes que sempre oferecem proposta, mas que nunca vencem as licitações; (v) margens irracionais de preços entre a proposta vencedora e as outras propostas; (vi) redução significativa de preços quando um novo concorrente entra na licitação (certamente um licitante que não integra o cartel); (vii) licitantes que apresentam preços muito divergentes nas diversas licitações que participam (inclusive em outros órgãos), não obstante o objeto e suas características serem muito semelhantes; (viii) fornecedores qualificados que apresentam propostas sempre para um determinado órgão/entidade, não apresentando para outros; (ix) licitantes que constantemente vencem os certames (pregões), mas desistem das contratações, para que elas fiquem com os segundos colocados; dentre outras ocorrências. 

A fraude em licitação poderá ser tratada na seara administrativa, civil e/ou penal, atingindo não só o fornecedor, mas também o agente público que atuou em conjunto. 

No âmbito administrativo, a fraude em licitação deverá ser apenada com a declaração de inidoneidade do fornecedor para licitar ou contratar com qualquer órgão da Administração Pública, em razão da má-fé. A Lei 10.520/02, que regula o pregão, também prevê a pena de suspensão do direito de licitar e contratar com o ente por até 5 anos, em caso de fraude. Ambas as penalidades não excluem, ainda, a aplicação da multa. 

Quanto ao agente público, na seara administrativa ele será penalizado em âmbito funcional, em conformidade com as regras previstas nos estatutos e outras normatizações que regulam as atividades do servidor. 

No âmbito civil, as ações fraudulentas podem gerar o dever de ressarcimento aos cofres públicos pelos prejuízos causados, visando à recomposição patrimonial, podendo atingir fornecedores e agentes públicos. 

Em âmbito penal, a Lei 8.666/93, em seus arts. 89 e 99, prevê os chamados “crimes na licitação”. São condutas como fraudar ou frustrar o caráter competitivo da licitação, patrocinar interesse privado nas licitações ou contratações, devassar sigilo de proposta, etc. Essas ações podem atingir tanto o fornecedor quanto o agente público, e a penalização inclui detenção e multa. Os crimes da Lei 8.666/93 são de ação penal pública incondicionada, cabendo ao Ministério Público promovê-la. Nesse caso, qualquer pessoa poderá provocar a iniciativa do MP, fornecendo-lhe informações sobre o fato e sua autoria, bem como as circunstâncias em que se deu a ocorrência. Além disso, o próprio Código Penal prevê dispositivos para tratar de crimes contra a Administração Pública. 

As fraudes e a corrupção nas licitações somente poderão ser evitadas quando, efetivamente, forem colocados em prática os ditames da legislação e os princípios que regem a licitação. Nas hipóteses em que a fraude ocorre somente em nível dos fornecedores, sem a conivência do agente, este último deverá ficar atento para sinais que possam demonstrar a existência de práticas desabonadoras, como conluios, cartéis, dentre outras. Além disso, o efetivo exercício da fiscalização contratual é imprescindível para eliminar maus hábitos que os fornecedores possam ter. O segredo é acompanhar de perto as licitações e contratos, e agir rapidamente nas ocorrências. 

Uma legislação muito importante para coibir os casos de fraude e corrupção é a Lei de Improbidade Administrativa – Lei Federal 8.429/92. Ela prevê condutas como enriquecimento ilícito, atos que causem lesão ao erário e ações ou omissões que atentem contra os princípios da Administração Pública ou que violem os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. Ela incide sobre agentes públicos e privados, e prevê sanções como: ressarcimento aos cofres públicos, perda da função pública, suspensão de direitos políticos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios e incentivos fiscais. 

Por fim, outro diploma legal de suma importância é a Lei Federal  12.846/2013, conhecida como “Lei Anticorrupção”, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Trata-se de mais uma ferramenta para tentar coibir atos lesivos contra a Administração, representando um avanço, tendo em vista que oferece poderes à Administração para que ela mesma possa apurar e penalizar pessoas jurídicas no âmbito administrativo, de forma objetiva, inclusive com a reparação pelos danos causados, sem prejuízo de uma apuração judicial de ordem civil. 

Profa. Dra. Simone Zanotello de Oliveira: Advogada, professora, consultora jurídica e autora de diversas obras na área de contratações públicas. Doutora em Direito Administrativo na PUC-SP.

 

O SRP E OS SERVIÇOS CONTÍNUOS

 

PAINEL SUPERCIA 02/2021

BOAS PRÁTICAS EM CONTRATAÇÕES PÚBLICAS

 

por Simone Zanotello de Oliveira

 

O Decreto 7892/13, que regulamenta o Sistema de Registro de Preços-SRP em âmbito federal, dispõe sobre as hipóteses de adoção desse sistema, o que é replicado em outras regulamentações nos demais entes federados, quais sejam:

I - quando, pelas características do bem ou serviço, houver necessidade de contratações frequentes;

II - quando for conveniente a aquisição de bens com previsão de entregas parceladas ou contratação de serviços remunerados por unidade de medida ou em regime de tarefa;

III - quando for conveniente a aquisição de bens ou a contratação de serviços para atendimento a mais de um órgão ou entidade, ou a programas de governo; ou

IV - quando, pela natureza do objeto, não for possível definir previamente o quantitativo a ser demandado pela Administração. 

Percebe-se que não há de forma expressa a utilização do SRP para contratação de serviços de natureza continuada, razão pela qual essa questão sempre foi controvertida. 

Em 2012, um Acórdão do TCU, sob n. 1.737/2012 – Plenário, de relatoria do Ministro Aroldo Cedraz, dispôs que seria lícita a utilização do Sistema de Registro de Preços para a contratação de serviços contínuos desde que configurada uma das hipóteses delineadas nos incs. I a IV do art. 2º. do Decreto n. 3.931/01 (que se tratava do Decreto anterior ao atualmente vigente). Sendo assim, o entendimento era de que se esses contratos fossem firmados dentro da validade da ata de registro de preços, os serviços de natureza continuada poderiam alcançar, regularmente, até 60 meses, ou mesmo 72 em casos excepcionais. 

Já em 2015, o TCU pronunciou-se no sentido de que a utilização do Sistema de Registro de Preços seria adequada somente em situações em que a demanda é incerta, seja em relação a sua ocorrência, seja no que concerne à quantidade de bens a ser demandada (Acórdão 2197/2015-Plenário, TC 028.924/2014-2, relator Ministro Benjamin Zymler, 2.9.2015), o que, em nosso entendimento, seria incompatível com os serviços de natureza continuada. 

Temos que o sistema de registro de preços é destinado para compras e serviços que se caracterizam por uma eventualidade e por uma sazonalidade nas aquisições, o que não seria condizente com as contratações de natureza continuada, que se caracterizam por serem aquelas cuja interrupção poderia comprometer a continuidade das atividades da Administração, representando uma necessidade permanente dela, cuja contratação precisaria estender-se por mais de um exercício financeiro, de  forma contínua.  Seria difícil compreender um sistema que permite, inclusive, que a Administração não seja obrigada a formalizar as contratações, sendo utilizado para um serviço de natureza continuada. 

            De acordo com o art. 15, da Instrução Normativa 05/2017, que dispõe sobre as regras e diretrizes do procedimento  de contratação de serviços sob o regime de execução indireta no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, os serviços prestados de forma contínua são “aqueles que, pela sua essencialidade, visam atender à necessidade pública de forma permanente e contínua, por mais de um exercício financeiro, assegurando a integridade do patrimônio público ou o funcionamento das atividades finalísticas do órgão ou entidade, de modo que sua interrupção possa comprometer a prestação de um serviço público ou o cumprimento da missão institucional.” 

Nesse contexto, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo-TCESP editou em dezembro/16, a Súmula 31, que estabelece que em procedimento licitatório é vedada a utilização do SRP para contratação de serviços de natureza continuada. Ele já vinha dispondo esse entendimento em seus julgados, sob a alegação de que o SRP possuía um caráter de imprevisibilidade, o que seria incompatível com serviços de execução continuada. 

Inclusive, o TCESP promoveu uma diferenciação entre o que seriam serviços com contratações frequentes, que permitiriam o uso do SRP, e os serviços de natureza continuada (TC-14326/026/09): 

“Assim, há uma grande distinção entre serviços frequentes e serviços contínuos. Serviços frequentes se notabilizam pela necessidade repetida, porém, fragmentada ao longo do tempo — até porque, até certo ponto não há como quantificá-los — a exemplo de serviços de reparos mecânicos, na medida que a Administração se serve de uma Ata de Registro de Preços com vistas à economia processual — qual seja, para evitar a constante abertura de certames. Serviços contínuos não sofrem solução de continuidade, a exemplo da limpeza, objeto discutido nestes autos. Aqui não é o caso da realização de uma Ata, porque a Administração, sempre necessitando dos serviços, deve logo proceder a sua contratação, que se dará por um tempo certo, podendo ser prorrogado.” 

            A questão foi submetida novamente à exame do TCU em 2017, que conclui que “a utilização do sistema de registro de preços para contratação imediata de serviços continuados e específicos, com quantitativos certos e determinados, sem que haja parcelamento de entregas do objeto, viola o art. 3º do Decreto 7.892/2013”, conforme Acórdão 1604/2017, do Plenário, de relatoria do Ministro Vital do Rêgo. 

         Além disso, a Cartilha do SRP, da Controladoria-Geral da União – CGU - Secretaria Federal de Controle Interno, também contém entendimento no sentido de não ser possível a utilização do registro de preços para serviços de natureza continuada, pois estes envolveriam a necessidade de planejamento e elaboração prévia obrigatória de projeto básico/termo de referência para a contratação. Desse modo, os serviços continuados já seriam certos e determinados, não sendo possível a utilização da sistemática do registro de preços para a contratação. 

Diante do exposto, não obstante entendimentos contrários que possam haver, os quais respeitamos, entendemos pela impossibilidade de utilização do SRP para serviços de natureza continuada.

 

Profa. Dra. Simone Zanotello de Oliveira: Advogada, professora, consultora jurídica e autora de diversas obras na área de contratações públicas. Doutora em Direito Administrativo na PUC-SP.

 

CONDIÇÕES DE RECEBIMENTO DO OBJETO

PAINEL SUPERCIA 01/2021

BOAS PRÁTICAS EM CONTRATAÇÕES PÚBLICAS

 por Simone Zanotello de Oliveira


O art. 40, inc. XVI, da Lei 8.666/93, dispõe que o edital deverá prever as condições de recebimento do objeto da licitação, como forma de garantia do negócio para a Administração. O recebimento divide-se em “provisório” ou “definitivo”, e pode até mesmo ser dispensado, e essas regras estão dispostas nos arts. 73 e 74 da Lei n°. 8.666/93.

        Segundo o mestre Marçal Justen Filho, em sua obra Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos: “O recebimento provisório consiste na simples transferência da posse do bem ou dos resultados do serviço para a Administração. Não acarreta liberação integral do particular nem significa que a Administração reconheça que o objeto é bom ou que a prestação foi executada corretamente. Não importa quitação para o particular. A Administração deverá, a partir do recebimento provisório, examinar o objeto para verificar sua adequação às exigências da lei, do contrato e da técnica.”  (15. Ed., São Paulo, Dialética, 2012, p. 950). Após o recebimento provisório, a Administração deverá efetuar todas as verificações acerca do objeto (quantidades, características, etc.), para posteriormente recebê-lo em definitivo, caso esteja em conformidade com o edital/contrato, sendo que esse recebimento possui eficácia liberatória de todas as obrigações do contratado, exceto as garantias legais previstas no art. 73, § 2º., da Lei n. 8.666/93. 

Com isso, vejamos, primeiramente, a questão do recebimento de obras e serviços, disposto no art. 73, inc. I: 

Art. 73. Executado o contrato, o seu objeto será recebido:

I - em se tratando de obras e serviços:

a) provisoriamente, pelo responsável por seu acompanhamento e fiscalização, mediante termo circunstanciado, assinado pelas partes em até 15 (quinze) dias da comunicação escrita do contratado;

b) definitivamente, por servidor ou comissão designada pela autoridade competente, mediante termo circunstanciado, assinado pelas partes, após o decurso do prazo de observação, ou vistoria que comprove a adequação do objeto aos termos contratuais, observado o disposto no art. 69 desta lei;

(...) § 3º O prazo a que se refere a alínea b do inciso I deste artigo não poderá ser superior a 90 (noventa) dias, salvo em casos excepcionais, devidamente justificados e previstos no edital.” 

    Com relação a compras ou locação de equipamentos, temos:

Art. 73. (...) II - em se tratando de compras ou de locação de equipamentos:

a) provisoriamente, para efeito de posterior verificação da conformidade do material com a especificação;

b) definitivamente, após a verificação da qualidade e quantidade do material e conseqüente aceitação.

        De acordo com o art. 73, § 2º., da Lei 8.666/93, o recebimento provisório ou definitivo não exclui a responsabilidade civil pela solidez e segurança da obra ou do serviço, nem ético-profissional pela perfeita execução do contrato, dentro dos limites estabelecidos pela lei ou pelo contrato, subsistindo, portanto, os deveres e obrigações do contratado em relação ao objeto. 

        A Lei também dispõe os casos em que o recebimento provisório poderá ser dispensado, efetuando o recebimento apenas mediante recibo: 

Art. 74. Poderá ser dispensado o recebimento provisório nos seguintes casos:

I - gêneros perecíveis e alimentação preparada;

II - serviços profissionais;

III - obras e serviços de valor até o previsto no art. 23, inciso II, alínea a, desta lei, desde que não se componham de aparelhos, equipamentos e instalações sujeitos à verificação de funcionamento e produtividade.

 

Portanto, é preciso adequar as condições acima de acordo com o objeto a ser licitado, dispondo-as no edital e no contrato. 

Por fim, destacamos julgado no sentido da essencialidade da atestação, para fins de pagamento: TCU - Acórdão 5848/2013-Primeira Câmara, TC 015.743/2010-1, relatora Ministra Ana Arraes, 27.8.2013. A atestação é condição prévia essencial ao pagamento do serviço, pois representa a confirmação, pelo contratante, de que o objeto foi integralmente atendido nos termos acordados, sendo inadmissível o pagamento de serviço medido por parâmetro dissonante daquele estipulado em contrato. 

Profa. Dra. Simone Zanotello de Oliveira: Advogada, professora, consultora jurídica e autora de diversas obras na área de contratações públicas. Doutora em Direito Administrativo na PUC-SP.