sábado, 4 de março de 2017

A DESPESA SEM COBERTURA CONTRATUAL E A INDENIZAÇÃO

por Simone Zanotello de Oliveira

Não é incomum ouvirmos na Administração Pública ocorrências de realização de fornecimentos e serviços que não contaram com cobertura contratual, pelas mais diversas razões: vencimento do contrato anterior, não processamento da prorrogação contratual, não conclusão de licitação em andamento em tempo hábil, impossibilidade de descontinuar as atividades, dentre outras justificativas. No entanto, é fato que essa prática, seja ela de boa ou má-fé, constitui uma irregularidade.

De acordo com o parágrafo único do art. 60, da Lei 8.666/93, a assunção de obrigação sem cobertura contratual é prática vedada: “É nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração, salvo o de pequenas compras de pronto pagamento, assim entendidas aquelas de valor não superior a 5% (cinco por cento) do limite estabelecido no art. 23, inciso II, alínea "a" desta Lei, feitas em regime de adiantamento”.

A corroborar a ideia de irregularidade dessa prática, ainda temos o art. 60 da Lei 4.320/64 (Lei do Orçamento), que dispõe que é vedada a realização de despesa sem prévio empenho.

Por outro giro, o art. 59, “caput”, da Lei 8.666/93 estabelece os efeitos de um contrato nulo, no sentido de que a sua declaração opera retroativamente, impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos. Além disso, o parágrafo único dispõe que “a nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que a nulidade for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável (...)”.

Sendo assim, há um claro reconhecimento acerca do dever da Administração em indenizar o contratado pelos serviços realizados, sob pena de configurar um enriquecimento ilícito por parte do ente público, sem desconsiderar a premissa de que se o contratado realizou a atividade, constitui-se num direito seu a remuneração por ela.

No entanto, há que se destacar que não basta à Administração apenas indenizar. É preciso, também, que ela promova a responsabilidade a quem deu causa a essa ocorrência. Esse é o comando contido no final do parágrafo único do art. 59 citado.

Essa temática já foi objeto de análise pelo Tribunal de Contas da União, por meio do Acórdão 375/1999 – Segunda Câmara, que em processo de fiscalização verificou irregularidades em razão da realização reiterada de despesas sem cobertura contratual, sendo que as justificativas apresentadas não elidiram as irregularidades, resultando em multa ao gestor.

Inclusive, esse Acórdão serviu de fundamentação para a edição, pela Advocacia Geral da União, da Orientação Normativa n. 4, de 1º. de abril de 2009, nos seguintes termos: “A despesa sem cobertura contratual deverá ser objeto de reconhecimento da obrigação de indenizar nos termos do art. 59, parágrafo único, da Lei n. 8.666, de 1993, sem prejuízo da apuração da responsabilidade de quem lhe der causa.”

A apuração de responsabilidade encontra amparo no art. 82 da Lei 8.666/93, que estabelece que os agentes administrativos que praticarem atos em desacordo com os preceitos da Lei de Licitações ou visando a frustrar os objetivos da licitação, sujeitam-se às sanções previstas na referida Lei e nos regulamentos próprios, sem prejuízo das responsabilidades civil e criminal que seu ato ensejar.

Portanto, em suma, quando ocorrer a necessidade de indenização por conta da realização de despesa sem cobertura contratual, por ser um medida de caráter excepcional, deverá ser apurada a responsabilidade de quem lhe deu causa – essa ação constitui-se numa obrigatoriedade, e não numa faculdade.



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