segunda-feira, 18 de agosto de 2014

CONSIDERAÇÕES - LC 147/14


Considerações sobre as licitações em face das alterações do Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte (Lei Complementar nº 123/2006) provenientes da Lei Complementar nº 147/2014.
Jamil Manasfi da Cruz[1]
Simone Zanotello de Oliveira[2]
Resumo: O presente artigo objetiva realizar uma breve análise comparativa sobre as principais alterações da Lei Complementar nº 123/2006, introduzidas pela Lei Complementar 147/2014, nas licitações envolvendo microempresas e empresas de pequeno porte, especialmente no que tange ao tratamento diferenciado e favorecido às microempresas (MEs) e Empresas de Pequeno Porte (EPP's). A respeito desse tratamento, serão objeto de estudo comparativo os benefícios legais concedidos relativamente às licitações, como a necessidade de comprovação da regularidade fiscal, licitação exclusiva, subcontratação, cotas de objeto divisíveis, prioridade de contratação para as ME's e EPP's sediadas local ou regionalmente, margem de preferência para contratação de ME's e EPP's, e, por fim, a e preferência nas dispensas de licitação tratadas pelos incisos I e II do art. 24 da Lei 8.666/93.
Palavras-chave: Microempresa. Empresa de Pequeno Porte. Lei Complementar nº 123/2006. Lei Complementar nº 147/2014. Licitação.
1. Introdução
            Tema atual de repercussão acentuada nas contratações públicas no cenário nacional, as alterações trazidas com o advento da Lei Complementar nº 147/2014, que modificaram a redação e os procedimentos da Lei Complementar nº 123/2006 em determinados artigos, relaciona-se à necessidade da realização de alterações nos editais e nos procedimento administrativos visando às contratações públicas.
            A Lei Geral da Micro e Pequena Empresa (LC nº 123/2006), que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa (ME) e da Empresa de Pequeno Porte (EPP), estabelecendo normas gerais de tratamento diferenciado a ser dispensado às ME’s e EPP’s no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 1º), popularmente conhecida como Lei do Simples, expressou um grande progresso para o desenvolvimento do setor da micro e da pequena empresa no cenário nacional, principalmente pelas vantagens competitivas proporcionadas no Capítulo V, do Acesso aos Mercados, Seção I, Das Aquisições Públicas, em seus artigos 43 a 49, aos quais nos limitaremos no presente estudo, por serem pertinentes à seara das licitações.
            A Presidente da República, Dilma Rousseff, sancionou, no dia  7 de agosto de 2014, a Lei Complementar 147/2014 (PLC 60/14), que atualiza a Lei Geral da Micro e Pequena Empresa, LC nº 123/20006. O Projeto de Lei Complementar nº 60, de 5 de junho de 2014 foi aprovado na Câmara dos Deputados, por unanimidade, no dia 7 de maio deste ano. No Senado, a aprovação ocorreu somente no dia 16 de julho.        As alterações trazidas com a  Lei Complementar 147/2014 visam a fomentar o crescimento das micros e pequenas empresas, conforme dispõe o art. 47 do referido diploma legal: "(...) objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas(...)". 
         Nesse contexto, os objetivos específicos do presente artigo são: a) comparar as alterações da Lei Complementar nº 123/06 provenientes da Lei Complementar nº 147/14; b) descrever as alterações trazidas pela Lei, com foco especial nos artigos 43 a 49.
            Este artigo é um estudo de caráter descritivo, que pesquisa a importância das modificações trazidas ao procedimento licitatório pelas alterações da Lei Complementar nº 123/2006 oriundas da Lei Complementar nº147/2014. Realizou-se um estudo bibliográfico, com o agrupamento de doutrinas e de legislação sobre o tema.
            Foi realizada uma análise comparativa das alterações dos artigos 43 ao 49 da Lei Complementar nº 123/2006, introduzidas pela Lei Complementar n° 147/2014, com o intuito de aclarar o entendimento sobre as modificações que terão implicação direta nos procedimentos licitatórios.
2 Privilégios conferido às ME’s e EPP’s 
            Em 14 de dezembro de 2006, foi editada a Lei Complementar nº 123, que segundo seu artigo 1º instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa (ME) e da Empresa de Pequeno Porte (EPP), estabelecendo normas gerais de tratamento diferenciado a ser dispensado às ME’s e EPP’s no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
            Esses privilégios conferidos às ME’s e EPP’s possuem acolhimento constitucional, conforme o disposto no artigo 170, inciso IX, da Constituição Federal: 
A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [.. ] 
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
            O legislador constituinte derivado introduziu o inciso IX ao artigo 170 da CF, por intermédio da Emenda Constitucional nº 06/1995.
            Há previsão de tratamento diferenciado ainda no artigo 179, da CF 88:
 Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.
            Definido em lei,  o tratamento jurídico diferenciado, visa  a incentivar as ME's e EPP's  pela simplificação de suas obrigações ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei,  conforme dispõe o art. 179 da Constituição Federal supracitado.
            Segundo Santos (2008), a Lei Complementar 123/2006 trouxe normas de tratamento diferenciado e favorecido em relação a três aspectos distintos: (I) aspectos tributários; (II) aspectos trabalhistas e previdenciários; e (III) aspectos relativos a acesso a crédito e ao mercado, inclusive quanto à preferência nas aquisições públicas.
            Conforme já disposto, dos aspectos apresentados, será objeto do presente artigo especificamente os previstos na Seção I do Capítulo V da Lei Complementar 123/2006 e suas alterações dadas pela Lei Complementar 147/2014, que cuidam da preferência nas aquisições de bens e serviços pelo Poder Público, pois não restam dúvidas de que o Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, com suas atuais alterações, trouxe significativas modificações nas licitações públicas envolvendo microempresas e empresas de pequeno porte.
2.1. Regularidade fiscal postergada
            A primeira questão a ser tratada refere-se à possibilidade de comprovação de regularidade fiscal “a posteriori”, no que tange à demonstração documental por parte da empresa. A comprovação da regularidade fiscal para as empresas enquadradas como ME ou EPP é postergada em relação aos licitantes convencionais que não gozam do direito da LC 123/2006 e que devem fazer a sua comprovação logo na fase da habilitação do certame licitatório.
            O Prof. Jorge Ulisses Jacoby Fernandes (2007, p.15) faz questão de salientar que o benefício se limita ao saneamento da regularidade fiscal e não à complementação da documentação básica, sob pena de desordem processual, "ficando os beneficiários da Lei Complementar nº 123/2006 com o direito de apresentar parte dos documentos no momento em que bem entendessem. Licitação, como já lembrado, é procedimento formal".
            As ME's e EPP's, mesmo estando com sua documentação fiscal vencida ou com alguma restrição, deverá apresentá-la  junto com os documentos de habilitação exigidos no edital para sua participação no certame licitatório, sob pena de desclassificação. Essa é a disciplina do caput do art. 43, da LC 123/2006: 
Art. 43.  As microempresas e empresas de pequeno porte, por ocasião da participação em certames licitatórios, deverão apresentar toda a documentação exigida para efeito de comprovação de regularidade fiscal, mesmo que esta apresente alguma restrição.  (Redação dada pela Lei Complementar nº 123, de 2006)
No entanto, no caso da empresa sagrar-se como a primeira colocada do certame, ela terá um prazo para regularização dessa documentação fiscal. Com a alteração trazida pela LC 147/2014, o prazo para regularização dos documentos fiscais exigidos na licitação teve uma majoração de  2 (dois) para 5 (cinco) dias úteis, podendo ser prorrogado por igual e sucessivo período, conforme redação alterada do §1º do Art.43, da LC 147/2014:
 § 1o  Havendo alguma restrição na comprovação da regularidade fiscal, será assegurado o prazo de 5 (cinco) dias úteis, cujo termo inicial corresponderá ao momento em que o proponente for declarado o vencedor do certame, prorrogável por igual período, a critério da administração pública, para a regularização da documentação, pagamento ou parcelamento do débito e emissão de eventuais certidões negativas ou positivas com efeito de certidão negativa.        (Redação alterada  pela Lei Complementar nº 147, de 2014)
Em suma, a empresa que se sagrar vencedora na etapa de lances e for beneficiária da LC 123/2006, terá o prazo de 5 (dois) dias úteis, prorrogáveis por igual período a critério da Administração, para regularização fiscal, ou seja, para pagar ou parcelar os débitos.  Cabe ressaltar que, não regularizada a pendência no prazo fixado, mesmo após a prorrogação do prazo,  a empresa beneficiada pela lei perderá o direito a contratação, segundo o disposto no §2º., do mesmo artigo:
 § 2o  A não regularização da documentação, no prazo previsto no § 1o deste artigo, implicará decadência do direito à contratação, sem prejuízo das sanções previstas no art. 81 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, sendo facultado à Administração convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para a assinatura do contrato, ou revogar a licitação.
  Por documentos fiscais entende-se àqueles que são destinados a comprovação da regularidade tributária (Fazendas Federal, Estadual e Municipal) e de encargos previdenciários (INSS e FGTS).
 
O  benefício trazido pela LC 123/2006 e alterado pela LC147/2014 é aplicável a qualquer modalidade de licitação, cabendo ao licitante o ônus da prova da regularidade fiscal que pretende ao ser beneficiado pelo tratamento diferenciado e favorecido. À Administração Pública cabe somente assegurar o tratamento diferenciado e favorecido para as empresas enquadradas que comprovem tal situação.
            Com essa alteração, se por um lado vislumbra-se a ampliação de chances para a ME ou EPP sagrar-se vencedora do certame, por outro lado verifica-se a possibilidade de ocorrer um atraso maior na conclusão da licitação, em razão dos novos prazos concedidos.
 
2.2.Tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte como forma de promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional

           
De acordo com a redação antiga do art. 47 da LC 123/2006, nas contratações públicas da União, dos Estados e dos Municípios, poderia ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica, desde que previsto e regulamentado na legislação do respectivo ente.
            De acordo com os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello, essas normas não eram autoaplicáveis, e precisariam ser regulamentadas em suas respectivas esferas - União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
            Com as alterações apresentadas pela LC 147/2014, foi excluído do texto do artigo 47  a  disposição "desde que previsto e regulamentado na legislação do respectivo ente" e incluída nova orientação junto ao parágrafo único:
Art. 47.  Nas contratações públicas da administração direta e indireta, autárquica e fundacional, federal, estadual e municipal, deverá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica.        (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)
Parágrafo único.  No que diz respeito às compras públicas, enquanto não sobrevier legislação estadual, municipal ou regulamento específico de cada órgão mais favorável à microempresa e empresa de pequeno porte, aplica-se a legislação federal.        (Incluído pela Lei Complementar nº 147, de 2014)
             Com a exclusão da frase "desde que previsto e regulamentado na legislação do respectivo ente", o artigo 47 da LC 123/2006, passa a ser autoaplicável em todas as esferas, porém com a orientação de que enquanto não sobrevier legislação estadual, municipal ou regulamento específico de cada órgão mais favorável à microempresa e à empresa de pequeno porte, que deverá ser utilizada a legislação federal. O objetivo foi fazer com que os demais entes federados não aleguem impossibilidade de implantar as políticas por falta de legislação local.
            Essa foi uma modificação significativa referente à obrigatoriedade de concessão de tratamento diferenciado para as contratações públicas, na Administração Direta e Indireta da União, Estados e Municípios.  A antiga redação do art. 47 previa que as pessoas políticas poderiam (e não deveriam) estabelecer tratamento diferenciado para promover o desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, devendo, para tanto, elaborar legislação própria.
            Com a nova redação, há a disposição de que nas contratações públicas da administração direta e indireta, autárquica e fundacional, federal, estadual e municipal, deverá ser concedido tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte objetivando a promoção do desenvolvimento econômico e social no âmbito municipal e regional, a ampliação da eficiência das políticas públicas e o incentivo à inovação tecnológica.   
Em suma, entendemos que essa obrigação acabou ocorrendo, pois, como anteriormente havia para a Administração apenas uma faculdade de propiciar as políticas de tratamento diferenciado do art. 48, muitos entes federados acabaram por não efetuar a legislação a respeito e, consequentemente, não puseram em prática essas políticas de incentivo.
 
2.3. Licitações exclusivas para ME's e EPP's
            O artigo 48, I, da LC 123/2006, c/c §1º., anteriormente às alterações introduzidas pela LC nº 147/2014, possibilitava a realização de processo licitatório destinado exclusivamente à participação de ME's e EPP's nas contratações cujo valor fosse de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), desde que o valor licitado não excedesse  a 25% (vinte e cinco por cento) do total licitado em cada ano civil.
            Com a nova redação o artigo 48, I e com a revogação do §1º realizadas pela LC 147/2014, o referido artigo imprime o dever da Administração Pública em realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de ME's e EPP's nos itens de contratações cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), não limitando mais a exigência de que o valor licitado não excedesse  a 25% (vinte e cinco por cento) do total licitado em cada ano civil.
Art. 48. [...]
I - deverá realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais);        (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)
Com as  alterações, não há dúvidas de que a medida adotada trará vantajosidade  para as ME's e EPP's, tendo em vista a redução considerável na relação de empresas participantes do certame que se enquadram na Lei e a maior oportunidade e demanda de licitações exclusivas por itens.
Diante das alterações, não há mais a preocupação apresentada pelo Prof. Jair Santana, essa licitação, que antes era limitada por esse valor, estava impactada por um limite quantitativo anual, que normalmente quem a realizava não tinha, porque não sabia quanto iria licitar durante todo o período. Então os R$ 80.000,00  tinha que estar limitados a 25% do total do que ia ser licitado. Ou seja, seria necessário que se tivesse um planejamento prévio acertado, austero e reto, para saber se podia, por exemplo, dentro dos 100%, tirar os 5% e saber se os 5% estão dentro dos R$ 80.000,00. É evidente, que se não houvesse esse planejamento não seria possível realizar a licitação exclusiva com segurança.
Com a revogação do §1º do artigo 48, I, não há mais necessidade desse planejamento efetivo diário para realização de licitação exclusiva.    
 
Com isso, o art. 48, I, a partir de agora, o que era uma faculdade, passou a ser uma obrigação, ou seja, a Administração Pública deverá realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).
 
2.4. Possibilidade de subcontratação de ME ou EPP

           
O inciso II do artigo 48 da Lei Complementar 123/2006 preconizava que as leis específicas deveriam propor  procedimento  licitatório no qual seria exigida dos licitantes a subcontratação de microempresa ou de empresa de pequeno porte, desde que o percentual máximo do objeto a ser subcontratado não excedessem  a 30% (trinta por cento) do total licitado. 
  De acordo com o Prof. Ronny Charles, a subcontratação não pode ser imposta, sob pena de ofender a livre iniciativa, o que se revelaria inconstitucional. Para o autor, a subcontratação deve ser concebida como uma faculdade do licitante vencedor, dentro dos limites permitidos pela Administração, através do edital ou contrato, e de acordo com o regramento jurídico pertinente; uma vez que determinadas contratações a tornam inadmissível, sob pena de desrespeito aos princípios do procedimento licitatório.
Finaliza sua ideia, expondo a leitura do artigo 72 da Lei 8.666/93, que deixa claro que o contratado, na execução do contrato, sem prejuízo das responsabilidades contratuais e legais, "poderá" subcontratar partes da obra, serviço ou fornecimento, até o limite admitido, em cada caso, pela Administração.
Com a alteração do dispositivo, o inciso passou a figurar com a seguinte redação:
II - poderá, em relação aos processos licitatórios destinados à aquisição de obras e serviços, exigir dos licitantes a subcontratação de microempresa ou empresa de pequeno porte;        (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)
Verifica-se que se manteve a possibilidade de se exigir dos licitantes, em  obras e serviços, a subcontratação de ME ou EPP. A única diferença é que na redação anterior havia uma limitação para essa subcontratação, que não poderia exceder a 30% do total licitado, e na redação atual não há essa limitação. No entanto, caberá ao gestor fazer essa definição, pois a subcontratação necessita de controles e limites, salientando que é vedada a subcontratação total do objeto no contrato administrativo.
2.5.  Regime de cota reservada para aquisição de bens de natureza divisíveis
A antiga redação do  artigo  48, inciso III, do Estatuto Nacional da ME e EPP, permitia o estabelecimento de “cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte, em certames para aquisição de bens e serviços de natureza divisível".
De acordo com a nova redação:
III - deverá estabelecer, em certames para aquisição de bens de natureza divisível, cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte.        (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)
Com a alteração, passa a ser obrigatório para a Administração Pública, em certames para aquisição de bens de natureza divisível, cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do objeto para a contratação de ME's e EPP's.
 
      Observa-se que com a alteração foi excluída a possibilidade de aplicação de cotas reservadas para os serviços de natureza divisível, permanecendo apenas para “bens”.       
            O dispositivo objetiva reservar uma parte do objeto licitado (aquisição de bens) às ME's e EPP's, evitando que as empresas de médio e grande porte disputem. Em termos simplificados, o inciso pretende que se reserve 25% da quantidade total do objeto para ME's e EPP's, assim denominada cota reservada. A outra parcela do objeto é denominada de cota principal.
            Como exemplo, podemos dispor que a Administração Pública, desejando adquirir 100 mesas, deverá reservar 25 unidades para as ME's e EPP's. As 75 unidades restantes poderão ser disputadas pelas empresas de médio e grande porte.  Portanto, as 25 mesas reservadas serão disputas exclusivamente pelas ME's e EPP's.
             Alertamos que o procedimento deverá ser previsto no instrumento convocatório.
 2.6.  Possibilidade da aplicação da margem de preferência para ME's e EPP's
            A  LC 147/2014 criou outra prioridade para beneficiar as ME's ou EPP's em âmbito local ou regional. O art. 48 passou a contar com o § 3º, que dispõe que:
Os benefícios referidos no caput deste artigo poderão, justificadamente, estabelecer a prioridade de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte sediadas local ou regionalmente, até o limite de 10% (dez por cento) do melhor preço válido.        (Incluído pela Lei Complementar nº 147, de 2014)
             Com isso, parece haver a estipulação de uma margem de preferência, a exemplo do que ocorre hoje com alguns produtos nacionais, podendo a Administração pagar preço superior ao melhor preço válido, no limite de até 10%, para privilegiar as ME’s e EPP’s sediadas local ou regionalmente. Isso nos faz concluir que o conteúdo desse dispositivo poderá resultar em oneração aos cofres públicos.
            Destaca-se que o comando desse dispositivo é a “faculdade”, em razão da expressão “poderão”, razão pela qual é algo a ser pensado no caso concreto.
2.7. Aplicação do tratamento diferenciado dos arts. 47 e 48 sem previsão no instrumento convocatório
            Foi revogada a redação do inciso I, art. 49, que previa que os critérios de tratamento diferenciado dos arts. 47 e 48 não se aplicariam quando não estivessem expressamente previstos no instrumento convocatório:
Art. 49. Não se aplica o disposto nos arts. 47 e 48 desta Lei Complementar quando:
I - os critérios de tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não forem expressamente previstos no instrumento convocatório;
            Com a revogação do inciso I,  abre-se  a possibilidade do pleito do benefício por parte do interessado, independentemente de previsão no edital. No  entanto, permitimos nos manifestar no sentido de que a previsão em edital é imprescindível, tendo em vista que através dela serão dispostos os procedimentos, prazos e outras diretrizes para a efetivação do benefício.
 
2.8. Preferência de  ME's e EPP's em eispensas de licitação com base no  art. 24, incisos I e II, da Lei nº 8.666/93
            Por fim, uma das modificações mais expressivas, foi a extensão dos benefícios para alguns casos de licitação dispensável. O art. 49, inciso IV da Lei dispunha redação  expressa de que os benefícios dos arts. 47 e 48 não se aplicariam aos casos quando “a licitação for dispensável ou inexigível, nos termos dos arts. 24 e 25 da Lei 8.666/93".
            Agora, essa redação é complementada, excluindo da não aplicação os casos de dispensa de licitação tratados pelos incisos I e II do art. 24 da mesma Lei (ou seja, as dispensas por “valor”:  compras e serviços até R$ 8.000,00; e obras e serviços de engenharia até R$ 15.000,00).
 
IV - a licitação for dispensável ou inexigível, nos termos dos arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, excetuando-se as dispensas tratadas pelos incisos I e II do art. 24 da mesma Lei, nas quais a compra deverá ser feita preferencialmente de microempresas e empresas de pequeno porte, aplicando-se o disposto no inciso I do art. 48.        (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)
             Nesses casos, a legislação dispõe que a compra deverá ser feita preferencialmente de ME's e EPP's, aplicando-se o disposto que prevê a realização de processo de contratação somente com ME ou EPP.
3. CONCLUSÃO
            A Lei Complementar 147/06 que alterou a redação da Lei Complementar 123/2006, modificou consideravelmente a participação das ME's e EPP's nas aquisições públicas, consubstanciando os genéricos comandos constitucionais que impõem o tratamento diferenciado e favorecido às empresas enquadradas nas duas categorias.
            A ampliação do prazo para apresentação de comprovação da regularidade fiscal vencida será  facilmente implementada e não deverá trazer maiores transtornos  para o administrador público, exceto a perda de celeridade no procedimento licitatório.
            No que tange aos outros benefícios, esses haviam sido regulamentados pela União, porém muitos estados e municípios até então não haviam  editado regulamentação própria. Com a alteração da  Lei Complementar 123/2006, na falta de legislação própria do ente federado, deverá ser aplicada a legislação federal.
            Aguarda-se, também, o posicionamento de nossos Tribunais  acerca do tratamento privilegiado e favorecido previsto na Lei Complementar 123/2006 alterados pela Lei Complementar 147/2014. A jurisprudência ainda é escassa nessa matéria, dado que as alterações do  Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte foram realizadas recentemente em nosso ordenamento jurídico.
            Diante do exposto, observamos claramente uma ampliação dos direitos de participação das ME’s e EPP’s nos processos licitatórios e também em alguns casos de contratação direta, com o objetivo de que haja um aumento da participação dessas empresas, como forma de política social e fomento ao mercado. 
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, de 5 de outubro de 1988. Disponível em  <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituiçao_Compilado.htm>.  Acesso em 12 ago. 2014.
BRASIL. Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp123compilado.htm>. Acesso em 12 ago. 2014.
BRASIL. Lei Complementar nº 147, de 07 de agosto de 2014. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/Lcp147.htm> Acesso em 12 ago. 2014.

FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. O Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, a Lei de Licitações e Contratos e a Lei do Pregão. Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 6, n. 65, maio.2007, p. 15.
SANTANA, Jair Eduardo. Microempresas e Empresas de Pequeno Porte nas licitações. BDA – Boletim de Direito Administrativo - Agosto/2008. Disponível em: <http://www.jairsantana.com.br/portal/media/download_gallery/Bdadoagosto_Microempresas.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2009.
SANTOS, José Anacleto Abduch. Licitações e o Estatuto da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2008, p. 38.
TORRES, Ronny Charles Lopes de. O estatuto da microempresa e empresa de pequeno porte e as licitações públicas. Revista Virtual da AGU, Ano VII, n. 62, março de 2007. Disponível em: <http://www.escola.agu.gov.br/revista/Ano_VII_marco_2007/O%20Estatuto-
Ronn%20Torres.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2014.





[1] Administrador e Consultor Empresarial. Bacharel em Administração Pública pela Faculdade São Lucas – FSL. Pós-graduado em Metodologia do Ensino Superior, MBA em Gestão Pública e MBA em Licitações e Contratos.  Pregoeiro e Membro da Comissão de Licitação da Secretaria de Estado de Assuntos Estratégicos do Governo do estado de Rondônia,  Docente e consultor da Evolução Treinamentos e do Instituto de Pesquisa de Rondônia -IPRO.
 
[2] Advogada e Consultora jurídica. Mestre em Direito da Sociedade da Informação (ênfase em políticas públicas com o uso da TI) pela UniFMU-SP. Pós- graduada em Administração Pública e em Direito Administrativo pela PUC-SP. Extensão em Direito Contratual. Docente e consultora jurídica da RHS Licitações-SP, da NP Eventos-PR,  da Licidata Eventos-PR, da Supercia-MS e da Consultre-ES. Professora de Direito do Centro Universitário Padre Anchieta – Jundiaí-SP.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

AI, HOJE TEM REUNIÃO?

por Simone Zanotello de Oliveira
 
Muitos profissionais franzem a testa ou ficam nervosos quando são informados de que haverá uma reunião logo mais. Mais por que essa rejeição? Alguns a justificam por julgar que a maioria das reuniões é improdutiva, que fica uma “falação” e nada se resolve, representando uma perda de tempo. Mas será que o problema está na “reunião” propriamente dita, ou nas pessoas que a organizam ou dela participam? Onde está a falha de comunicação?

Pois vamos analisar alguns pontos que objetivam tornar as reuniões mais objetivas e proveitosas, cumprindo o seu papel, que é o de estabelecer um ato de comunicação que visa a discutir e resolver determinadas questões.

Primeiramente, uma reunião necessita ser planejada. Se possível, envie previamente uma pauta da reunião aos participantes, que também devem ser selecionados, evitando um grande número de pessoas – afinal, é uma reunião e não uma palestra. O encontro deve conter 4 etapas: a) considerações iniciais – o que será discutido e a finalidade da reunião; b) debate dos assuntos – ocasião em que as questões devem ser lançadas e discutidas, buscando verificar uma solução para elas; c) conclusão – que diz respeito  às considerações finais sobre as questões discutidas; d) recapitulação – que é o momento destinado a esclarecer eventuais dúvidas que ainda pairem, e também para verificar quais serão as próximas ações, quem serão os responsáveis e qual o prazo. Uma reunião deve ter horário para começar e para terminar – pois isso é uma grande reclamação das pessoas – “que as reuniões demoram muito”.  E esses horários devem ser respeitados, principalmente de início, evitando-se chegar atrasado.

A liderança da reunião também é um ponto essencial. O condutor da reunião deve motivar a participação das pessoas, fornecer informações para que a discussão tenha continuidade, delimitar o foco da reunião para que não se “fuja” do assunto, manter a descontração – sem cair na vulgaridade, é claro -, incentivar o grupo a dar opiniões, saber ouvir, cortar as conversas paralelas, disciplinar o uso dos celulares, organizar as pausas para o cafezinho, fazer com que o horário seja cumprido, evitar dar opiniões pessoais sem embasamento técnico e manter a calma, a tolerância e a cordialidade em situações de conflito que normalmente surgem. Outra situação que o líder de uma reunião precisar saber trabalhar é com os diversos tipos de participantes: o monopolizador, o desinteressado, o calado, o palpiteiro e o pessimista.

E quem participa de reuniões, tem um papel importante? Sem dúvida. O participante de uma reunião, quando é questionado, deve responder de maneira firme e objetiva - para isso é preciso prestar atenção na reunião. Deve, também, falar com uma voz pausada e num tom que possa ser ouvido por todos os demais participantes. Caso tenha algo importante a acrescentar, “não  pode perder o bonde” e deve pedir a palavra – talvez esse momento possa representar a chance para alavancar uma carreira profissional. Não se deve responder perguntas que foram feitas a outras pessoas, a menos que não tenha havido resposta. É preciso olhar para todas as pessoas enquanto se fala e ficar atento em quem está com a palavra. E o principal: não se deve fazer trejeitos ou cochichos enquanto outra pessoa estiver falando, mesmo que se discorde da opinião dela – é necessário colocar esse posicionamento assim que ela terminar de falar, mas sem ofensas e sem querer impor uma opinião pessoal.  

E para ambos – líder e participantes – não se deve esquecer de que a mensagem precisa ser transmitida de forma clara e objetiva, sempre se cientificando de que as pessoas entenderam o que se quis falar.

Bem, pense nesses pontos na próxima reunião e melhore sua comunicação empresarial – isso pode representar um diferencial na sua carreira.

EXIGÊNCIA DE IDADE NOS CONCURSOS PÚBLICOS

por Simone Zanotello de Oliveira
 
A exigência de limites de idade em concursos públicos é uma temática que gera polêmica. Primeiramente, tem-se que a idade mínima para a assunção de cargo público, pela praxe, tem sido de 18 anos completos na data da posse (e não da inscrição). Portanto, é possível termos candidatos menores de 18 anos participando de processos de concurso público.  
 
No entanto, há casos concretos em que o candidato assume o cargo antes ter completado 18 anos, por força de emancipação, por exemplo.  Segundo o Código Civil, art. 5º., a menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil. No entanto, ela poderá cessar antes, na ocorrência dos seguintes fatores: pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; pelo casamento; pelo exercício de emprego público efetivo; pela colação de grau em curso de ensino superior; e pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria. Essa prerrogativa já foi reconhecida pela jurisprudência: “TJDFT – ApCv 20060110562870 – 3ª. Turma Cível – Rel. Desembargadora Nídia Correa Lima – J. 22.10.08 – Concurso público – candidato menor de 18 anos – Emancipação – Posse – Possibilidade – (...) muito embora seja assente o entendimento de que é razoável a fixação da idade mínima de 18 (dezoito) anos para a investidura em cargo público, tratando-se de candidato emancipado e, portanto, apto ao exercício de todos os atos da vida civil, mostra-se indevida a recusa em dar-lhe posse no cargo para o qual foi aprovado, sobretudo quando este, por força de antecipação de tutela, vem exercendo suas funções há mais de 2 (dois) anos, tendo atingido a maioridade civil exigida.”
Com relação à idade máxima, alguns dispositivos normativos deverão nortear nossa análise. A Constituição Federal, em seu art. 7º, inc. XXX, dispõe que é direito dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, a proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. O texto constitucional, em seu art. 39, § 3º., prescreve que a lei poderá estabelecer requisitos diferenciados de admissão em órgão público quando a natureza do cargo exigir. A Súmula 683 do STF estabelece que o limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art.7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido. Além disso, o art. 27 da Lei 10.741/03 – Estatuto do Idoso – estabelece que na admissão do idoso em qualquer trabalho ou emprego, é vedada a discriminação e a fixação de limite máximo de idade, inclusive para concursos, ressalvados os casos em que a natureza do cargo o exigir. Avançando um pouco mais nas pesquisas, a Constituição do Estado de São Paulo, em seu art. 115, XXVII, veda a estipulação de limite de idade para ingresso, por concurso público, na Administração Direta e Indireta. (grifos nossos)
Com isso, podemos concluir que o limite de idade somente encontra amparo legal se a natureza do cargo exigir, devendo, para tanto, ser pautado pelo princípio da razoabilidade, para funções que estão aliadas ao vigor físico (ex. agentes de segurança; guarda municipal; carreiras militares, etc.). Essa posição é reconhecida pela jurisprudência: “ADMINISTRATIVO – MILITAR – CONCURSO PÚBLICO – LIMITE DE IDADE – A atividade militar requer aptidões absolutamente distintas daquelas exigíveis para a grande maioria dos empregos, razão pela qual é de todo pertinente prever-se limitação de idade para o seu exercício – legalidade do edital, que fixa limite de idade para inscrição no Concurso de Admissão ao Estágio de Adaptação à Graduação de Sargentos da Aeronáutica – 2005, visto que a atividade militar é de natureza especial - Apelação e Remessa Oficial providas (TRF 5º. R. – AC 2004.83.00.025426-0 – 1ª.T – PE – Rel. Des. Fed. Francisco Wildo Lacerda Dantas – DJU 10.03.2006.)”
Ademais, embora haja reconhecimento na jurisprudência acerca da possibilidade de fixação de idade por ato administrativo (STF Súmula nº 14 - 13/12/1963 - Súmula da Jurisprudência Predominante do Supremo Tribunal Federal - Anexo ao Regimento Interno. Edição: Imprensa Nacional, 1964, p. 37. - Restrição por Ato Administrativo em Razão da Idade - Inscrição em Concurso para Cargo Público – Admissibilidade), entendemos ser prudente que essa exigência já faça parte da lei de criação do cargo, sob pena de ser questionada.
Por fim, também é comum vermos em editais a fixação da idade limite em 65 anos. Ocorre para atendimento de interesses da Administração, para uma boa prestação de serviços,  visto que de acordo com o art. 40, inc. III, da Constituição Federal, temos a exigência da ocupação efetiva no cargo por no mínimo 5 anos antes da ocorrência da aposentaria, aliado ao disposto no inc. II do mesmo artigo, que estabelece a aposentadoria compulsória aos 70 anos.