domingo, 21 de março de 2021

FRAUDES EM LICITAÇÃO – COMO ELAS OCORREM E COMO EVITÁ-LAS

 

PAINEL SUPERCIA 03/2021

BOAS PRÁTICAS EM CONTRATAÇÕES PÚBLICAS

 por Simone Zanotello de Oliveira

 

Os caminhos utilizados pelos corruptos para fraudar licitações são os mais diversos. Usa-se a licitação, mas também se usam os casos de dispensa e inexigibilidade de licitação. A fraude poderá ocorrer por meio de elevação arbitrária dos preços, do oferecimento de produto que não atende ao edital, do recebimento por uma execução não efetuada no todo ou em parte, dentre muitas outras ocorrências que oneram os cofres, e que podem ter ou não a conivência do agente público. 

De uma maneira geral, todas as modalidades licitatórias estão sujeitas a fraude. No entanto, a modalidade Convite, por não exigir publicação em órgão de imprensa oficial, mas somente o convite por parte da Administração a pelo menos 3 empresas e a afixação do aviso do edital em mural no próprio órgão, acaba por ser um facilitador para ações indevidas. Nesse caso, poderão ocorrer conluios ou cartéis entre os participantes, com ou sem a conivência do agente público. 

Além disso, as fraudes em licitação podem ocorrer nas várias etapas do certame – tanto interna quanto externa, bem como na execução contratual. Na fase interna, ela poderá estar contida no direcionamento da licitação a determinada empresa, de forma dolosa ou culposa por parte do agente público, por ocasião da preparação de documentos como termo de referência/projeto básico e edital, por meio de exigências em relação ao objeto ou as demais condições da licitação (entrega, documentação, etc.) que somente poderiam ser atendidas por uma empresa específica. 

Com a fase externa, o risco é o mesmo. Poderá haver a formação de conluios ou cartéis entre os licitantes, com ou sem o conhecimento do agente público. E na execução contratual, a fraude poderá estar presente por meio do pagamento ao fornecedor sem a execução do objeto ou diante de sua execução ineficiente, o cumprimento do contrato de modo diverso do que foi ajustado na licitação, com prejuízo aos cofres, a concessão de aditamentos ou aumentos de preços sem previsão legal, dentre outras ocorrências, que poderão ou não ter o envolvimento do agente público. 

Os agentes públicos deverão ficar atentos a alguns sinais que podem indicar fraudes na licitação: (i) propostas apresentadas que possuem redação semelhantes e até os mesmos erros e rasuras; (ii) nítido rodízio entre os vencedores das licitações; (iii)  fornecedores que desistem de forma inesperada das licitações; (iv) concorrentes que sempre oferecem proposta, mas que nunca vencem as licitações; (v) margens irracionais de preços entre a proposta vencedora e as outras propostas; (vi) redução significativa de preços quando um novo concorrente entra na licitação (certamente um licitante que não integra o cartel); (vii) licitantes que apresentam preços muito divergentes nas diversas licitações que participam (inclusive em outros órgãos), não obstante o objeto e suas características serem muito semelhantes; (viii) fornecedores qualificados que apresentam propostas sempre para um determinado órgão/entidade, não apresentando para outros; (ix) licitantes que constantemente vencem os certames (pregões), mas desistem das contratações, para que elas fiquem com os segundos colocados; dentre outras ocorrências. 

A fraude em licitação poderá ser tratada na seara administrativa, civil e/ou penal, atingindo não só o fornecedor, mas também o agente público que atuou em conjunto. 

No âmbito administrativo, a fraude em licitação deverá ser apenada com a declaração de inidoneidade do fornecedor para licitar ou contratar com qualquer órgão da Administração Pública, em razão da má-fé. A Lei 10.520/02, que regula o pregão, também prevê a pena de suspensão do direito de licitar e contratar com o ente por até 5 anos, em caso de fraude. Ambas as penalidades não excluem, ainda, a aplicação da multa. 

Quanto ao agente público, na seara administrativa ele será penalizado em âmbito funcional, em conformidade com as regras previstas nos estatutos e outras normatizações que regulam as atividades do servidor. 

No âmbito civil, as ações fraudulentas podem gerar o dever de ressarcimento aos cofres públicos pelos prejuízos causados, visando à recomposição patrimonial, podendo atingir fornecedores e agentes públicos. 

Em âmbito penal, a Lei 8.666/93, em seus arts. 89 e 99, prevê os chamados “crimes na licitação”. São condutas como fraudar ou frustrar o caráter competitivo da licitação, patrocinar interesse privado nas licitações ou contratações, devassar sigilo de proposta, etc. Essas ações podem atingir tanto o fornecedor quanto o agente público, e a penalização inclui detenção e multa. Os crimes da Lei 8.666/93 são de ação penal pública incondicionada, cabendo ao Ministério Público promovê-la. Nesse caso, qualquer pessoa poderá provocar a iniciativa do MP, fornecendo-lhe informações sobre o fato e sua autoria, bem como as circunstâncias em que se deu a ocorrência. Além disso, o próprio Código Penal prevê dispositivos para tratar de crimes contra a Administração Pública. 

As fraudes e a corrupção nas licitações somente poderão ser evitadas quando, efetivamente, forem colocados em prática os ditames da legislação e os princípios que regem a licitação. Nas hipóteses em que a fraude ocorre somente em nível dos fornecedores, sem a conivência do agente, este último deverá ficar atento para sinais que possam demonstrar a existência de práticas desabonadoras, como conluios, cartéis, dentre outras. Além disso, o efetivo exercício da fiscalização contratual é imprescindível para eliminar maus hábitos que os fornecedores possam ter. O segredo é acompanhar de perto as licitações e contratos, e agir rapidamente nas ocorrências. 

Uma legislação muito importante para coibir os casos de fraude e corrupção é a Lei de Improbidade Administrativa – Lei Federal 8.429/92. Ela prevê condutas como enriquecimento ilícito, atos que causem lesão ao erário e ações ou omissões que atentem contra os princípios da Administração Pública ou que violem os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições. Ela incide sobre agentes públicos e privados, e prevê sanções como: ressarcimento aos cofres públicos, perda da função pública, suspensão de direitos políticos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios e incentivos fiscais. 

Por fim, outro diploma legal de suma importância é a Lei Federal  12.846/2013, conhecida como “Lei Anticorrupção”, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Trata-se de mais uma ferramenta para tentar coibir atos lesivos contra a Administração, representando um avanço, tendo em vista que oferece poderes à Administração para que ela mesma possa apurar e penalizar pessoas jurídicas no âmbito administrativo, de forma objetiva, inclusive com a reparação pelos danos causados, sem prejuízo de uma apuração judicial de ordem civil. 

Profa. Dra. Simone Zanotello de Oliveira: Advogada, professora, consultora jurídica e autora de diversas obras na área de contratações públicas. Doutora em Direito Administrativo na PUC-SP.

 

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