domingo, 21 de março de 2021

O SRP E OS SERVIÇOS CONTÍNUOS

 

PAINEL SUPERCIA 02/2021

BOAS PRÁTICAS EM CONTRATAÇÕES PÚBLICAS

 

por Simone Zanotello de Oliveira

 

O Decreto 7892/13, que regulamenta o Sistema de Registro de Preços-SRP em âmbito federal, dispõe sobre as hipóteses de adoção desse sistema, o que é replicado em outras regulamentações nos demais entes federados, quais sejam:

I - quando, pelas características do bem ou serviço, houver necessidade de contratações frequentes;

II - quando for conveniente a aquisição de bens com previsão de entregas parceladas ou contratação de serviços remunerados por unidade de medida ou em regime de tarefa;

III - quando for conveniente a aquisição de bens ou a contratação de serviços para atendimento a mais de um órgão ou entidade, ou a programas de governo; ou

IV - quando, pela natureza do objeto, não for possível definir previamente o quantitativo a ser demandado pela Administração. 

Percebe-se que não há de forma expressa a utilização do SRP para contratação de serviços de natureza continuada, razão pela qual essa questão sempre foi controvertida. 

Em 2012, um Acórdão do TCU, sob n. 1.737/2012 – Plenário, de relatoria do Ministro Aroldo Cedraz, dispôs que seria lícita a utilização do Sistema de Registro de Preços para a contratação de serviços contínuos desde que configurada uma das hipóteses delineadas nos incs. I a IV do art. 2º. do Decreto n. 3.931/01 (que se tratava do Decreto anterior ao atualmente vigente). Sendo assim, o entendimento era de que se esses contratos fossem firmados dentro da validade da ata de registro de preços, os serviços de natureza continuada poderiam alcançar, regularmente, até 60 meses, ou mesmo 72 em casos excepcionais. 

Já em 2015, o TCU pronunciou-se no sentido de que a utilização do Sistema de Registro de Preços seria adequada somente em situações em que a demanda é incerta, seja em relação a sua ocorrência, seja no que concerne à quantidade de bens a ser demandada (Acórdão 2197/2015-Plenário, TC 028.924/2014-2, relator Ministro Benjamin Zymler, 2.9.2015), o que, em nosso entendimento, seria incompatível com os serviços de natureza continuada. 

Temos que o sistema de registro de preços é destinado para compras e serviços que se caracterizam por uma eventualidade e por uma sazonalidade nas aquisições, o que não seria condizente com as contratações de natureza continuada, que se caracterizam por serem aquelas cuja interrupção poderia comprometer a continuidade das atividades da Administração, representando uma necessidade permanente dela, cuja contratação precisaria estender-se por mais de um exercício financeiro, de  forma contínua.  Seria difícil compreender um sistema que permite, inclusive, que a Administração não seja obrigada a formalizar as contratações, sendo utilizado para um serviço de natureza continuada. 

            De acordo com o art. 15, da Instrução Normativa 05/2017, que dispõe sobre as regras e diretrizes do procedimento  de contratação de serviços sob o regime de execução indireta no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, os serviços prestados de forma contínua são “aqueles que, pela sua essencialidade, visam atender à necessidade pública de forma permanente e contínua, por mais de um exercício financeiro, assegurando a integridade do patrimônio público ou o funcionamento das atividades finalísticas do órgão ou entidade, de modo que sua interrupção possa comprometer a prestação de um serviço público ou o cumprimento da missão institucional.” 

Nesse contexto, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo-TCESP editou em dezembro/16, a Súmula 31, que estabelece que em procedimento licitatório é vedada a utilização do SRP para contratação de serviços de natureza continuada. Ele já vinha dispondo esse entendimento em seus julgados, sob a alegação de que o SRP possuía um caráter de imprevisibilidade, o que seria incompatível com serviços de execução continuada. 

Inclusive, o TCESP promoveu uma diferenciação entre o que seriam serviços com contratações frequentes, que permitiriam o uso do SRP, e os serviços de natureza continuada (TC-14326/026/09): 

“Assim, há uma grande distinção entre serviços frequentes e serviços contínuos. Serviços frequentes se notabilizam pela necessidade repetida, porém, fragmentada ao longo do tempo — até porque, até certo ponto não há como quantificá-los — a exemplo de serviços de reparos mecânicos, na medida que a Administração se serve de uma Ata de Registro de Preços com vistas à economia processual — qual seja, para evitar a constante abertura de certames. Serviços contínuos não sofrem solução de continuidade, a exemplo da limpeza, objeto discutido nestes autos. Aqui não é o caso da realização de uma Ata, porque a Administração, sempre necessitando dos serviços, deve logo proceder a sua contratação, que se dará por um tempo certo, podendo ser prorrogado.” 

            A questão foi submetida novamente à exame do TCU em 2017, que conclui que “a utilização do sistema de registro de preços para contratação imediata de serviços continuados e específicos, com quantitativos certos e determinados, sem que haja parcelamento de entregas do objeto, viola o art. 3º do Decreto 7.892/2013”, conforme Acórdão 1604/2017, do Plenário, de relatoria do Ministro Vital do Rêgo. 

         Além disso, a Cartilha do SRP, da Controladoria-Geral da União – CGU - Secretaria Federal de Controle Interno, também contém entendimento no sentido de não ser possível a utilização do registro de preços para serviços de natureza continuada, pois estes envolveriam a necessidade de planejamento e elaboração prévia obrigatória de projeto básico/termo de referência para a contratação. Desse modo, os serviços continuados já seriam certos e determinados, não sendo possível a utilização da sistemática do registro de preços para a contratação. 

Diante do exposto, não obstante entendimentos contrários que possam haver, os quais respeitamos, entendemos pela impossibilidade de utilização do SRP para serviços de natureza continuada.

 

Profa. Dra. Simone Zanotello de Oliveira: Advogada, professora, consultora jurídica e autora de diversas obras na área de contratações públicas. Doutora em Direito Administrativo na PUC-SP.

 

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