segunda-feira, 24 de março de 2014

O MITO DA LINGUAGEM JURÍDICA


por Simone Zanotello de Oliveira
 
A linguagem jurídica possui particularidades que às vezes a tornam intimidante. Quantas vezes, ao se exibir uma sentença judicial para que um cliente a leia, ele pergunta ao final: “Doutor(a), eu ganhei ou perdi a causa?” Ou, quantas vezes são passados aos alunos do curso de Direito textos jurídicos para leitura e interpretação, e quando se indaga se há alguma dúvida, o silêncio reina por toda a sala, estampando incertezas nos rostos dos futuros bacharéis.
 
Pois bem, é fato que a linguagem jurídica tem passado por uma evolução significativa nos últimos tempos, numa tentativa de se tornar mais clara e objetiva.  Mas ainda há muito que se fazer, pois o rigor formal ainda impera em grande parte dos textos jurídicos. O que precisamos ter em mente é que a linguagem jurídica não deve ser a representação de uma classe fechada e erudita, composta de advogados, promotores, juízes, desembargadores e ministros. Ao contrário, essa linguagem representa a manifestação da Justiça, que é o bem maior dentro de um Estado Democrático de Direito, configurando uma forma de proteção do cidadão. Portanto, a sociedade também deve ser a destinatária dessa espécie de comunicação. E nessa empreitada, os operadores do Direito apresentam um papel fundamental, na busca de uma comunicação jurídica mais eficiente e clara, principalmente nos dias atuais, em que estamos na era comunicação, e a rapidez na informação passou a ser uma necessidade.   
 
Diante dessas premissas, temos que as tendências modernas de redação muito têm a contribuir para a redação jurídica, e nesse contexto faço destaque a algumas. A primeira tendência a ser trazida é a “clareza”. Períodos muito longos, contendo várias ideias numa mesma sentença, resultam num texto de difícil compreensão. Vejamos como isso é fato: ao lermos um período (e entendamos por “período” desde o início da frase até o ponto de finalização) com mais de cinco linhas, a tendência é chegarmos ao final e esquecermos o que estava no início. Isso porque nosso cérebro precisa de paradas para assimilar o conteúdo da leitura, e a pontuação faz esse papel. Ademais, períodos muitos longos são um fonte propícia para erros de concordância, pois o sujeito começa a se distanciar do predicado e seus complementos – ai que nomes chatos... -, o que dificulta a identificação. Portanto, o correto é a construção de períodos mais curtos, com três ou quatro linhas, utilizando apenas um ou dois conectivos em cada período.
 
Outra tendência é a “simplicidade”. E ser simples, em hipótese alguma, significa ser “coloquial” ou “vulgar”, ou utilizar gírias e expressões de baixo calão. Basta evitar vocábulos difíceis, preciosos e arcaicos, que não fazem parte do vocabulário comum da maioria das pessoas, inclusive dos próprios operadores do Direito. E nesse contexto, aproveito para clamar pela retirada de algumas expressões que somente rebuscam a linguagem nos textos, sem nada trazer de conteúdo à mensagem, visto que o uso excessivo delas fez com que perdessem seu real significado: “Na oportunidade, apresentamos os protestos de elevada estima e consideração” e “Sem mais para o momento, subscrevo-me”. Vejamos se vocês concordam comigo: muitos textos são endereçados a pessoas que nem conhecemos, inclusive para fazer reclamações; então, como pode haver “elevada estima e consideração”? Ou então, se vamos encerrar um texto, de acordo com as regras gramaticais, utilizando a estrutura “conclusiva”, por que dizer “que não se tem mais nada para aquele momento e que a seguir será colocada a assinatura”? Tudo isso me parece desnecessário.
 
E outra tendência diz respeito à “concisão”, que se traduz em escrever somente o necessário. E neste contexto, aproveito para apresentar uma tendência correlata, que se refere à “economicidade verbal”, na qual devemos tentar falar com uma ou duas palavras, o que falaríamos com três, quatro ou cinco. Vejamos: em vez de “acima citado”, podemos falar simplesmente “citado”, pois se já foi “citado”, significa que está “acima”; ou, em vez de escrever “levamos ao seu conhecimento”, podemos dispor apenas “informamos”; e muitos outros exemplos que poderiam ser trazidos. Não ficou melhor assim?
 
Em suma, essas são algumas tendências modernas de redação que certamente trarão resultados significativos quando aplicadas aos textos jurídicos, a fim de que esses representem verdadeiros elementos de comunicação a serviço da comunidade e sejam porta-vozes dos quesitos de Justiça, promovendo a igualdade social

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